sábado, 17 de maio de 2014

Prosopopeia XIV: ainda Nietzsche...

Prosopopeia XIV: Ainda Nietzsche...



Já coloquei óculos escuros em Marx e pensei que visão teria ele daquele hoje (início da década de 80). Agora não colocaria óculos escuros em Nietzsche, mas óculos de grau bem forte, para confirmar que o que ele está enxergando é mesmo o que se apresenta para ser inferido através do olhar. Nietzsche é ouvido e compreendido diferentemente da época em que estava vivo e disso reclamava (Ecce Homo). Dedicou boa parte de sua vida a um empreendimento que lhe exigiu coragem: valorizar a vida de forma incontestável e à custa de polemizar com os valores estabelecidos pela maioria em sociedade. Ser contra tudo que atrapalhe o livre viver, seja tal coisa o que for: religião, moral, filosofia, cultura, educação, e até mesmo deus (deus e não Deus, ou seja, o deus que o homem criou para que fossem possíveis as religiões, o deus que fica de fora de nós, que existe para nos vigiar e punir. Que presta um desserviço à sua própria criação – cria-se uma criatura para viver e depois inibe ao máximo essa possibilidade. Que contradição é essa?) simplesmente dar o devido valor que à vida deve ser dado.  Envolvendo o que de mais central e profundo pode o ser humano. Isto traduzido em filologia, filosofia, psicologia, cultura, educação, religião, Deus, deus e deuses, comportamento moral, bem e mal, bom e mau, revalorização dos valores. Incompreendido naquilo que importa muitos inimigos surgiram denegrindo sua pessoa e obra. Porém, não adianta querer encobrir o sol com a peneira. Mais cedo ou mais tarde os raios de sol chegam ao solo pronto para que possa ser germinada a semente do novo, do novo homem, da nova sociedade, dos novos valores, que sejam valores de verdade ou que não exista mais nenhum. Que seja extirpada da face desse pretensioso astro algumas de suas ervas daninhas. Que lhes sejam dadas uma dose mortal de Roundup ou Randap. Nietzsche, o randap de toda erva daninha que nega a vida, que nega o otimismo, contra todo pessimismo, contra todo deixar para viver depois, contra toda moral castradora e inibidora das possibilidades de vida, das vontades, do eu quero, por que não? Leio Nietzsche desde que me preparava para fazer vestibular em São Paulo. Lembro-me de que eu cheguei a achar que Nietzsche era um egocêntrico louco, ao ler Ecce Homo. No entanto, foi o primeiro filósofo que comecei a entender alguma coisa do que estava falando em sua obra. Acredito hoje que eu apenas pensei que estava entendendo algo. Na verdade eu pegava algumas de suas ideias e aplicava-as a estratégias didáticas. Por exemplo: a sua ideia “como o homem tem necessidade de ilusões para poder viver”, foi uma que utilizei muito. A questão girava entorno do significado da palavra ilusão. Não sei se seria a melhor tradução essa palavra para o que Nietzsche queria expressar, que na verdade era muito mais como o homem tem necessidade de falsificações, mentiras mesmo para manter a preservação da espécie. A escolha da palavra ilusão para substituir a palavra mentira é uma escolha muito bem feita, uma vez que produz várias ilusões na cabeça de quem lê e não tem iniciação suficiente para discernir tal fato. Mas o que importa é que, na medida em que fui lendo e relendo Nietzsche, pude ir percebendo que ele tratou das mesmas mensagens que tentava disseminar em diversos momentos neste seu trabalho de se fazer por entender. A incompreensão sobre suas ideias publicadas lhe fez tomar talvez essa atitude: escrever de novo a mesma coisa com palavras, frases, parágrafos diferentes, como se quisesse, didaticamente, oferecer uma tradução de suas próprias ideias. Ele sempre reclamou de que não tinha “amigos” para conversar. Ele conversava com ele mesmo ou criava interlocutores imaginários, como por exemplo, os espíritos livres. Não tinha outra saída. Em vários momentos de sua obra ele fala dessa inexistência de com quem dialogar, aqueles que pudessem discutir com ele suas ideias. Em Esse Homo ao falar do seu livro Para além do bem e do mal ele se refere ao seu trabalho de encontrar “individualidades transbordantes de energia” que pudessem ser fisgadas pelo seu anzol, como ele próprio diz: “a partir de então todas as minhas obras assemelham-se a anzóis (...).” e finaliza dizendo que se a isca não foi abocanhada que a culpa não era sua: “não havia peixe...”. Fico impressionado como em todo o momento na sua obra a gente se depara com ideias que logo se transformam em obras de futuros autores de renome mundial. Para aproveitar que estamos com Esse Homo aberto na abordagem de Para além do bem e do mal, quando afirma que esta sua obra é em essência uma crítica da modernidade e que indica “um tipo oposto, muito mais que moderno, um tipo nobre, afirmativo.” Vejo aí a origem de todas as implicações acadêmicas, teóricas etc. do rotulado pós-modernismo e coisas afins. Muitos outros exemplos podem ser dali retirado, é só seguir os diversos autores que tem e que tiveram em Nietzsche uma referência para a produção de suas próprias obras. Para citar alguns exemplos claros: Foucault, e a ideia de que o poder é algo como que omnipresente, ou seja, perpassa tudo numa visão de que todas as coisas da natureza tendem para um mesmo princípio ativo de busca por um aumento de sua própria potência, cada vez mais poder. Sem sombra de dúvida é uma ideia central em Nietzsche: a vontade de potência. Talvez fosse interessante começar por ela, não sei. Em que obra de Nietzsche aparece pela primeira vez essa ideia? Quantas vezes ela ocorre em sua obra? Como uma análise do formato dado em cada uma delas pode realizar essa tradução de Nietzsche por Nietzsche? Que outras ideias poderiam ser analisadas da mesma forma? Será possível determinar com segurança quantas ideias são centrais no seu Pensamento, na sua Obra? Vejamos alguns exemplos: seu primeiro problema foi a respeito do bem e do mal, ou seja, moral. Não sei se encontraremos problemas tratados por Nietzsche que não tenham alguma relação com moral. Outra questão é a da verdade, que diretamente remete às suas abordagens sobre o filósofo e à filosofia, e que não se separa logicamente da mentira, das ilusões aludidas acima. A vontade da verdade (na parte Os preconceitos dos Filósofos) qual a sua origem? Foi sua primeira pergunta para em seguida perguntar: qual o valor dessa vontade? O problema da validade do verdadeiro. Sócrates: a razão em detrimento do instinto. A arte e a música também sempre estiveram presentes em Nietzsche. Aqui cabe um Lulu Santos: “se é loucura então, melhor não ter razão”? Mas sua grande polêmica talvez seja a questão da morte de Deus. Porém isso me faz pensar algumas coisas. Afinal, qual o significado dessa ideia em Nietzsche? Gostaria de dar uma opinião dentro de mais essa prosopopeia. Como vou viver sem deus? Caramba... Mas, espera aí?! Que história ou estória é essa? Afinal deus morre? Parece que isso depende da religião considerada. Em algumas delas deus se é mesmo Deus com “D” maiúsculo tem como um de seus atributos a eternidade. Será que Nietzsche descobriu a morte de um deus ou de Deus? Em minha opinião, o deus que Nietzsche encontrou morto foi o deus-ideal, enquanto conceito, ideia sem o qual ficam difíceis certos momentos da vida. Para Nietzche “o mais elevado não pode proceder do mais baixo, nem pode vir pelo geral (...) tudo que é de primeira ordem deve ser causa sui (...) todos os conceitos superiores, o ser, o absoluto, o bem, a verdade, a perfeição, tudo isso não pode vir a ser (...) assim é a forma como chegam ao seu conceito de Deus.” Parece que a ideia, o conceito de deus nos remete a uma psicologia, na qual os momentos difíceis da vida ficam menos difíceis, com essa ideia de que em algum lugar e neste tempo existe algo que é mais do que eu sou, e que, portanto, pode me fazer bem, pode me ajudar a superar os obstáculos da minha vida. Assim, adquirimos uma força suplementar para superação desses obstáculos. Essa força é como se estivéssemos segurando a mão de Deus, ou que Deus estivesse segurando a nossa mão, e nos conduzindo para o melhor caminho. Não deixa de ser uma forma de terceirização da responsabilidade. Transfiro a responsabilidade para deus e fico mais tranquilo para continuar ou tentar/lutar para continuar caminhando. Qual o melhor caminho? A escolha implica uma vontade, que mostra os valores de quem escolhe. Viver de que forma? Não viver é no mínimo burrice, como é da mesma forma, deixar para viver depois. Quem disse que existirá depois na nossa condição humana marcada pela morte? Quando a respiração é interrompida não existe mais depois no caminho que vinha sendo traçado. A vida é interrompida, finalizada, como dizia o comediante: morreeeu. Aí já não é mais possível escolher. A vontade de ser, de viver, sentir, saborear isto ou aquilo não tem mais como se realizar. Isto nos remete ao fato de que já que tal situação certamente ocorrerá no meu depois, que valor vou dar para minha capacidade de escolha que ainda me resta? Que vontades eu tenho para saciar? Tenho um depois pelo menos por enquanto, então posso escolher segundo minhas vontades. De uma coisa estou certo: a escolha de viver com deus ou sem deus depende de como esse deus ajuda ou atrapalha na satisfação de minhas vontades: se existe um deus que tolhe minhas realizações na satisfação das vontades de minha vida é melhor que ele morra, que esteja morto e que não deveria nem ter nascido. Tenho ou não que pensar assim? Estou vivo então tenho diante de mim a alternativa de escolher viver dessa ou daquela forma. Se um deus se coloca entre mim e minhas realizações, o quero bem mortinho. Egoísmo? _Não, escolha de uma vontade de vida! Pecado? Muito menos. Que limites considerar na escolha da maneira de viver? Moralmente? Eticamente? Religiosamente? Fica a critério de cada um. O que importa nesta história toda é que para mim ainda faz sentido a ideia de Deus me ajudando a viver, por uma coisa muito simples: os sinais que Deus nos remete o tempo todo... Mas que importa tudo isso afinal? Tudo não passa de prosopopeia... ainda bem!!!
       


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