quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Uma proposta para alfabetizar cartograficamente as crianças.



ALFABETIZAÇÃO CARTOGRÁFICA: PASSO A PASSO DAS RELAÇÕES ESPACIAIS MAIS SIMPLES ÀS COORDENADAS GEOGRÁFICAS. 
MELGAÇO, Jairo[1].


“Todo e qualquer trabalho
situa-se, bem ou mal, numa geografia – de preferência na intimidade de uma
matéria, desde que haja uma recíproca: ele trabalha a matéria e é trabalhado
por ela.
(...) A obra é um trabalho a ser trabalhado.” (LIMA, 1976:3)


Resumo: A aplicação do Procap (Fase Escola Sagarana) evidenciou muitas dificuldades em relação ao ensino da Geografia e, principalmente, com a Alfabetização Cartográfica. Tentando contribuir com esse processo, foi elaborado um Projeto para encaminhar um roteiro, passo a passo, de atividades inter-relacionadas e de forma sequencial, que permite partir das relações espaciais (topológicas, projetivas) e chegar às coordenadas geográficas, relacionando-as aos conceitos de latitude e longitude, e mesmo, realizar uma preparação do trabalho com fusos horários e projeções cartográficas. Posteriormente percebeu-se que esse objetivo inicial foi se transformando num processo de contextualização do ensino da Geografia através de um roteiro de atividades cartográficas. O trabalho é realizado dentro e fora da sala de aula, tendo sempre como referência os pontos cardeais. Numa quadra ou pátio exercitam-se as relações espaciais mais simples, através da formação de um círculo de alunos, dentro do qual são formadas duas cruzes de cinco alunos, localizando uma mais à frente e à esquerda da outra. Os alunos desenham essa formação, e através de várias perguntas aprendem as noções básicas como em frente, atrás, esquerda, direita que depois são substituídas por norte, sul, oeste, leste e, principalmente que mudando a referência muda a direção e seus dois sentidos. Em sala de aula, utilizam-se documentos cartográficos do município, do estado, do país, continente e o globo terrestre, transportando para eles as duas cruzes, de barbante ou papel, sendo que as perguntas agora se referem a acidentes geográficos, cidades, entre outros. A direção norte-sul e leste-oeste depois se transformam em meridianos e paralelos, respectivamente. Pode-se então trabalhar as noções de latitude e longitude e, da mesma forma os pontos colaterais e subcolaterais, a rosa dos ventos, dentre outros.
Palavras chaves: Ensino da Geografia, Alfabetização Cartográfica, Orientação.

A alfabetização cartográfica é um recurso indispensável para o desenvolvimento de noções básicas e necessárias no cotidiano das pessoas e, da mesma forma, para o ensino da geografia de maneira geral e, principalmente como preparação para a construção da noção de espaço pela criança. Na medida em que o Procap (Fase Escola Sagarana) foi sendo executado nas escolas da região, algumas dificuldades foram se apresentando, e grande parte delas foi em relação a questões referentes ao texto dois: “As relações espaciais e a alfabetização cartográfica”.(MG-SEE, 2001:17-25).
            Tentando contribuir com esse processo foi elaborado um Projeto para encaminhar um trabalho conjunto com as “Facilitadoras” e Professoras participantes do Programa de Capacitação. Estabeleceu-se um roteiro de atividades inter-relacionadas e de forma seqüencial, desde as relações espaciais mais simples (topológicas, projetivas) até chegar às coordenadas geográficas, relacionando-as aos conceitos de latitude e longitude. Dessa forma, cumpre-se com o objetivo da alfabetização cartográfica de preparar adequadamente os alunos para atividades mais complexas como fusos horários, projeções cartográficas, trabalho com cartas topográficas, fotografias aéreas, sistema de posicionamento global (GPS), dentre outros. Posteriormente percebeu-se que esse objetivo inicial foi se transformando num processo de contextualização do ensino da Geografia através de um roteiro de atividades cartográficas. Na verdade todo esse processo está realizando uma educação geográfica e, não poderia ser de outra forma, já que tanto a Cartografia quanto a Geografia elaboram imagens do mundo ou de suas partes. Não é por acaso que a Geografia, juntamente com as demais ciências humanas, se desenvolve a partir da segunda metade do século XIX, em decorrência das novas necessidades e problemas inéditos, ligados a profundas mudanças políticas e econômicas nas sociedades ocidentais, com o objetivo básico de “estabelecer um quadro dos territórios nacionais e de seus recursos humanos e materiais, bem como o dos territórios estrangeiros pelos quais a nova ordem política e industrial interessa-se”. (LAVILLE, 1999: 53-54).
Outro aspecto fundamental a ser considerado é o que diz respeito a uma seqüência de atividades onde a criança seja primeiro mapeadora (codificadora) para em seguida passar a “ver” ou “ler” os documentos cartográficos (decodificadora). Para isso é preciso que concomitantemente ao desenvolvimento das atividades de orientação e desenvolvimento das relações espaciais sejam intercaladas atividades de mapeamento do eu, da carteira, da classe, da escola, do jardim da escola ou da praça próxima, do bairro e, assim, sucessivamente. É preciso, no entanto, atentar para o fato de que não se está aqui defendendo uma descentração territorial linear. Sempre que possível deve-se realizar um ensino multiescalar, indo do local ao global e vice-versa, abordando o regional e o nacional. Evidentemente, isso depende também de uma preparação prévia que está prevista no roteiro desse projeto. Na medida em que se realiza uma analogia entre uma cruz no pátio com o sistema de coordenadas geográficas e, ao mesmo tempo, aplica-se essa referência a plantas, cartas e mapas, na verdade está sendo realizada também uma preparação para atividades multiescalares. O que não pode acontecer é o professor não ter consciência disso e não realizar, no momento adequado esse tipo de procedimento.
As estratégias propostas no Projeto são realizadas dentro e fora da sala de aula – utilizando sempre referenciais de orientação, localização e cartográficos de maneira geral. Os pontos cardeais devem ser referência na execução dos trabalhos, independentemente de onde estejam sendo realizados. Aos poucos são introduzidos os pontos colaterais e subcolaterais. Em momento oportuno as cruzes utilizadas serão substituídas por duas rosas-dos-ventos. As atividades fora e dentro da sala de aula são alternadas. Terminada uma tarefa no pátio da escola, ela é repetida no contexto da sala de aula. É importante observar que não se está excluindo a possibilidade de realização de estudos do meio. Sempre que for, possível e necessária, esta forma mais indicada de se ensinar Geografia deve ser utilizada. Naturalmente, que devem ser respeitadas todas as regras de sua realização, já bastante divulgadas.
Para desenvolvimento do Projeto é preciso providenciar os seguintes materiais básicos: barbante, fita crepe, giz colorido; Atlas geográfico, mapa municipal ou carta topográfica, fotografias aéreas, fotos de satélites, mapa de Minas Gerais (Físicos e Político, econômicos, etc.), mapa do Brasil (Físicos e Político, econômicos, etc.), mapa Mundi (Físico e Político), globo terrestre, GPS; material de desenho em geral como, papel vegetal ou similar, régua, lápis de cor, borracha, além de tesoura para cortar papel, livros didáticos. Materiais complementares serão incluídos, sempre que necessários, ao longo de todo o processo.
A execução de todo o Projeto pressupõe uma distribuição das atividades desde a Educação Infantil (a partir dos três ou quatro anos) até as séries finais do Ensino Fundamental e, dependendo da atividade, até o Ensino Médio e mesmo Superior. Portanto, depende de um planejamento que envolve os professores de todas essas etapas e, talvez um projeto a ser implementado pelo planejamento pedagógico das escolas. É muito importante que sejam propostos e implementados projetos e propostas pedagógicas que promovam uma flexibilização das fronteiras da Geografia enquanto área do conhecimento e disciplina escolar. À medida que o Projeto for ficando mais claro evidenciarão inúmeras possibilidades nesse sentido. Entretanto não será feita uma referência explícita a elas. Grande parte delas, no entanto, são evidentes, principalmente uma interdisciplinaridade com a matemática e a história. 
O Professor deverá dosar e mesclar essas atividades ao longo do tempo previsto para o conjunto da programação de seu trabalho, para que não fique cansativo e, mais importante, para que o ensino da cartografia não fique descontextualizado. Uma idéia importante e que fundamenta uma postura metodológica quanto à relação entre educação cartográfica e educação geográfica é a de que na programação dos objetivos de ensino para a Geografia deve-se ir introduzindo a alfabetização cartográfica e o ensino de temas mais avançados de cartografia na medida em que forem sendo necessários, ou seja, o Professor não deve “parar” o seu trabalho com a Geografia para trabalhar a cartografia. Na medida em que as necessidades vão se apresentando desenvolve-se a atividade cartográfica correspondente à sua superação. Isso com certeza torna o ensino da Geografia mais efetivo e até prazeroso, já que bom resultado traz satisfação para quem o realiza. No entanto, nesse Projeto em particular, na medida em que se foi “costurando” as etapas de sua execução, e ao mesmo tempo, tentando não perder de vista pressupostos teórico-metodológicos básicos, esse processo foi invertido: a educação cartográfica passou a ser o fio condutor de um roteiro ou seqüência de objetivos, conteúdos, conceitos, recursos, etc. de uma educação geográfica. Como se vê não se trata de uma seqüência linear fechada e preestabelecida a ser seguida a qualquer custo. Trata-se mais da indicação de um ordenamento lógico de atividades prático-teóricas capaz de alfabetizar cartograficamente e de preparar para trabalhos mais complexos no ensino da Geografia que tem no cartográfico uma base de sustentação.
No pátio da escola ou na quadra de jogos ou em outro espaço que dê condições para formar um círculo com todos os alunos da turma são escolhidos dez entre eles para formar duas cruzes, uma mais ao norte e a oeste da outra (Obs: deve-se repetir algumas vezes essa dinâmica com alunos diferentes). De maneira geral, sempre que surgirem dificuldades na aplicação de noções já trabalhadas deve-se repetir os procedimentos quantas vezes forem necessárias a uma boa performance por parte dos educandos. Em sala de aula cada aluno vai registrando tudo no seu caderno: desenham as duas cruzes com as posições referidas, anota, responde e elabora novas questões para cada uma das etapas desenvolvidas. Além disso, inicialmente, cada aluno terá duas cruzes de papel ou outro material, que depois serão substituídas por duas rosas-dos-ventos, para serem utilizadas em todo o processo de desenvolvimento da etapa da codificação e também da decodificação. No mapeamento do eu, da carteira, etc. deve-se sempre utilizar uma das cruzes na posição correta (em relação aos pontos cardeais) para identificar o N (norte) de seu mapeamento. Da mesma forma para se trabalhar com a leitura de mapas continua-se utilizando essas cruzes, por exemplo, para indicar que cidade fica do lado esquerdo (oeste) da sua cidade ou em outro sentido.
O Professor ao trabalhar orientação deve considerar sempre os conceitos de direção e de sentido. Toda direção tem dois sentidos. Assim, temos a direção norte-sul, leste-oeste, etc. ou o sentido norte, o sentido oeste, etc. Observar que uma direção sempre segue o padrão dos raios da rosa-dos-ventos. É absurdo indicar, por exemplo, a direção sul-oeste. O que existe é o sentido sudoeste.
A partir dessa formação (Fig. 1) tem início um processo meticuloso de desenvolvimento das relações espaciais das mais simples às mais complexas.
Fig. 1. Formação básica para desenvolvimento das atividades fora da classe.
            As primeiras relações espaciais a serem construídas pelos educandos são as relações topológicas elementares: vizinhança, separação, ordem ou sucessão, envolvimento ou fechamento e continuidade ou contínuo. Depois é feito um trabalho com a reversibilidade nas relações espaciais topológicas. Em seguida com as relações projetivas e euclidianas. O trabalho vai o tempo todo alternando atividades fora e dentro da sala de aula. Por uma questão didática será apresentada a seqüência de todas atividades que devem ser realizadas fora da sala de aula e, em seguida, a sua transposição para atividades nas salas de aula. 

PARTE A: Exemplos de atividades fora da sala de aula.
1.a-Exemplos de atividades com relações topológicas elementares:a-      Vizinhança: a criança E está ao lado da criança A; a criança B está longe da criança 4.
b-      Separação: a criança A está entre as crianças E e C.
c-      Ordem: a criança 5 está antes da criança 1 e a criança 3 depois da criança 1.
d-     Envolvimento: as duas formações em cruz estão dentro do círculo de alunos da turma.
e-      Continuidade: pode ser riscado com giz ou colocado um barbante unindo crianças como pontos sucessivos, separados, mas que formam uma linha num contínuo, por exemplo, E – A – C.   
1.b- Exemplos de reversibilidade: substitui-se a cruz por um círculo e realiza-se a verificação da conservação das relações de vizinhança, ordem, envolvimento entre as crianças. Inverte-se a relação de vizinhança quando o aluno percebe que a criança 5 é vizinha da criança 1 e esta é vizinha daquela, que A está entre B e D ou entre D e B, etc.
2- Exemplos de atividades com relações projetivas:
a-      Preparação: tomando como referência, por exemplo, a criança 2 observa-se: a criança E está próxima da criança B que está longe da criança 2, etc.
b-      1ª fase.Esquerda e direita considerada do ponto de vista de uma criança. A criança 3 sabe que à sua esquerda está a criança 1, mas não reconhece que a 5 está na mesma posição em relação à criança 1.
c-      2ª fase. A criança consegue superar a 1ª fase e reconhece a segunda situação indicada na fase anterior.
d-     3ª fase. Liberação do egocentrismo. As crianças localizam, por exemplo, que A está à direita de E e à esquerda de C.
Com relação a outras dimensões projetivas como frente / atrás e em cima / embaixo deve-se proceder da mesma forma e passar pelas mesmas três fases.
            A partir dessa etapa substitui-se esquerda por oeste, direita por leste, em frente por norte (obs: com a mão direita voltada para o leste a frente fica para o norte – deve-se inverter a posição para exercitar a idéia de mudando a referência muda a direção e seus dois sentidos) e, atrás por sul. Repete toda a seqüência fazendo essa substituição. Em seguida pode-se introduzir, primeiro os pontos colaterais e, mais tarde, os subcolaterais. Começando sempre pela formação dos alunos indicada e fazendo um exercício de identificação do sentido que fica entre sentidos cardeais. Mostrar aos poucos que existem convenções para os nomes dos pontos colaterais e subcolaterais. Os pontos norte (N) e sul (S) são a base dos pontos colaterais e os pontos cardeais (N, S, E e W) dos subcolaterais. Assim entre o norte e o oeste, por exemplo, temos o noroeste e não o oesnorte. Da mesma forma temos o nor-noroeste e não noroeste-norte e, assim sucessivamente. Mostrando essa lógica os alunos podem aprender a descobrir a direção ou o sentido e não realizar uma tarefa mnemônica.
3- Exemplos de atividades com relações euclidianas:
a-      Conservação de distância: insere-se uma criança entre, por exemplo, as crianças 1 e 4 e pergunta-se para o grupo se a distância entre 1 e 4 variou. (Obs. As crianças 1 e 4 permanecem nos mesmos lugares durante o processo).
b-      Conservação de comprimento: para essa atividade desfazem-se as cruzes e utiliza-se outra formação com oito crianças da seguinte forma:
            A                                  B
            1                                   2
            C                                   D                                                                                                      
3                                   4
A distância entre os alunos deve ser a mesma e pode ser demarcada por barbantes com o mesmo comprimento para definir as posições das crianças. Pergunta-se: a distância entre A e B é igual à distância 1 e 2? E em seguida: a mesma questão em relação às crianças C-D e 3 e 4.b
c-      Conservação de superfície: voltando à formação inicial, mas agora com dois círculos com uma cruz cada. A princípio as duas cruzes estão centralizadas cada qual em seu círculo. Pergunta-se: os círculos têm o mesmo tamanho?  Em seguida em um dos círculos desloca-se a cruz do centro e novamente faz-se a mesma pergunta. (Obs. Os círculos devem apresentar o mesmo tamanho. Pode-se utilizar a mesma estratégia de medi-los com barbantes com mesmo comprimento.).
d-     Construção da medida de comprimento: 1ª etapa – estabelece-se uma fila de oito alunos colocados lado a lado e a uma mesma distância entre si. O primeiro e ou último seguram as pontas de um barbante que passa pelas mãos dos demais. Com uma tesoura cada um corta o barbante na sua posição e as partes são colocadas no chão e depois são emendadas formando novamente o barbante inicial. 2ª etapa – novamente forma-se a fila de oito alunos, mas agora com uma distância cada vez maior entre eles. Corta-se novamente o barbante que seguram e as partes são colocadas paralelamente no chão. 3ª etapa – essas partes dos barbantes de tamanhos diferentes e paralelas são agora comparadas entre si superpondo-as.
e-      Coordenadas métricas retangulares: formam-se dois retângulos de alunos sendo que em um deles um aluno localiza-se nas proximidades de um dos seus vértices um pouco mais distante da linha (formada por alunos) horizontal que da vertical. Pede-se que seja localizado um aluno na mesma posição no outro retângulo e verifica-se a manutenção das distâncias em relação às linhas horizontal e vertical.
A partir dessa fase é possível mostrar que se prolongássemos as direções norte-sul, representadas pelas linhas verticais das cruzes (Linhas - Meridianos B-D e 2-4) e, da mesma forma as direções leste-oeste, representadas pelas linhas horizontais das cruzes (Linhas – Paralelos 5-3 e E-C), teríamos duas situações distintas: 1- a linha norte-sul da primeira cruz se uniria à mesma linha da segunda cruz formando um fuso horário (transposição da direção norte-sul para o conceito de meridiano que começa num dos pólos e termina no outro e introduzindo o conceito de fuso); 2- as duas linhas horizontais nunca se unem são o tempo todo paralelas e dão uma volta completa na Terra. Pode-se então, por exemplo, a tratar de questões como: 1- por que o número de meridianos é o dobro dos paralelos? (explicação: mantendo, respectivamente, um paralelo ou meridiano a cada grau de latitude ou longitude tem-se 360 meridianos (metade no hemisfério leste e a outra metade no hemisfério oeste) e 180 paralelos - divididos nos hemisférios norte e sul); 2- por que os meridianos têm sempre o mesmo comprimento e os paralelos não?; 3- por que cada meridiano tem o seu antípoda? (Trabalhar nesse momento a idéia de que somente o Meridiano de Greenwich não divide a Terra em hemisfério leste e oeste, mas é preciso incluir a Linha Internacional de Data - LID); 4- por que um fuso horário tem 15º? 5- Por que os meridianos não têm nenhuma relação com as estações do ano e os paralelos nenhuma relação com os fusos horários?; 6- por que existem cinco paralelos principais e apenas dois meridianos mais importantes?; 7- o que é equador térmico?; 8- qual a diferença entre fuso horário real e ideal?; 9- por que os dias da semana são alterados quando se cruza a LID?; 10- por que essa alteração nos dias da semana ao passar pela LID segue uma regra inversa do atrasar ou adiantar as horas de acordo com os fusos, já que se adianta uma hora a cada fuso para Leste, e passa-se para o dia anterior quando se cruza a LID para Leste?      Após todas essas etapas pode-se passar a trabalhar a construção dos conceitos de latitude e longitude que deverão estar associados ao ensino dos movimentos mais importantes da Terra e suas conseqüências básicas: da alternância entre o dia e a noite; dias longos e curtos, introduzindo os conceitos de solstício e equinócio; da distribuição dos raios solares pela superfície terrestre em função da inclinação do eixo da Terra e, também, em função da translação, condicionando (e não determinando) os grandes conjuntos climáticos e as formações vegetais da Terra, podendo incluir aqui uma analogia entre sua distribuição em termos de latitude e altitude.
Chama-se a atenção para a constatação de que as direções e sentidos não são linhas retas no espaço, mas curvas que acompanham a forma geóide da Terra, ou seja, acompanham a curvatura da superfície terrestre. É o momento de se introduzir a questão da representação dessa forma curva num plano, ou seja, a questão conhecida como o nó cartográfico: as projeções cartográficas. Evidentemente, que fora da sala de aula é possível fazer os alunos imaginarem esse prolongamento das linhas de forma indireta, utilizando a idéia de duas pessoas que sigam cada uma delas o trajeto de uma das duas direções e pergunta-se o que ocorre no final da caminhada. Num caso elas se encontram (meridianos) no outro a caminhada não tem um fim específico, a não ser que se defina como fim o retorno ao ponto de partida (paralelos). Podem ser utilizados, para crianças menores, brinquedos que realizam os trajetos, sendo o mais indicado o avião, tanto para atividade extra como intraclasse.  É hora também, desde que possível, de se trabalhar com o sistema de posicionamento global. Uma forma privilegiada de se utilizar o GPS é realizando estudos do meio, do cotidiano onde se inserem todas as facetas da vida dos educandos. Pode-se realizar pequenos croquis com a cotação das altitudes que vão sendo plotadas de acordo com referências a objetos reais como casas, árvores, etc. e da localização através das coordenadas geográficas. Pode-se aproveitar para trabalhar, através desses croquis, a questão do relevo e aspectos ligados à crosta terrestre, que pode servir de início para um trabalho mais amplo utilizando como base geral o conceito de paisagem. Deve-se sempre estar relacionando essas observações com outros lugares do mundo através, por exemplo, de fotografias e exercícios que tentem identificar o que é específico e o que é geral nos diversos lugares da superfície terrestre. Fazendo as adaptações necessárias pode-se propor atividades para construção e utilização adequadas de outros conceitos-chave da Geografia tais como: território e territorialidade (que tem uma relação direta com a delimitação de fronteiras e, portanto, com a cartografia), redes, cotidiano, fronteira, lugar, movimento social, espacialidade, dentre outros.

PARTE B: exemplos de atividades dentro da sala de aula.
            Na sala de aula as atividades podem ser uma transposição do que foi desenvolvido na Parte A, e ao mesmo tempo deverão ser inseridas outras propostas para que se cumpram as recomendações metodológicas acima indicadas. Os Professores com a colaboração de seus alunos devem utilizar o máximo de criatividade para estabelecer analogias entre atividades intra e extraclasse, para contextualizar a educação geográfica na educação cartográfica, para propor trabalhos multiescalares, para diversificar os materiais utilizados, para criar novos materiais didáticos, dentre outras tantas possibilidades. As escolhas deverão se reportar às condições oferecidas por cada escola, das possibilidades e preferências de cada Professor ou equipe interdisciplinar e, da mesma forma, das condições apresentadas pelos alunos.
            Dessa forma, a seguir, serão apresentadas algumas sugestões que deverão ser contextualizadas ou adaptadas.
            Para essas atividades utilizam-se materiais tradicionais do ensino como, o caderno, a lousa, folhas avulsas para que se possa através do desenho da formação do círculo com as duas cruzes, para exercitar a construção dessas relações espaciais. Sempre que for possível deve-se utilizar fotografia aérea, foto de satélite, GPS, dentre outros.
a-      Através do desenho a criança deverá elaborar e responder, questões do tipo apresentadas para a Parte A, no que se refere às relações de Vizinhança, Separação, Ordem, Envolvimento, Continuidade. Porém agora as crianças devem utilizar papel, desenhos, barbantes, brinquedos como “bonequinhos” para marcar os pontos das cruzes. Mais importante é que haja uma transposição, de fora para dentro da sala de aula, de aspectos concretos para abstratos. De acordo com a extensão do fenômeno ou objeto real distinguem-se três modos de implantação no plano cartográfico: pontual, linear e zonal. (JOLY, 1990:14-15). Pontos, linhas e áreas representados ora por crianças, barbante, espaço delimitado pelas crianças, ora por pontos, retas e figuras geométricas desenhadas nos cadernos.
b-      Através do mapeamento do seu corpo ou de parte dele, de objetos da sala de aula, ou dela própria e, assim sucessivamente, a criança vai aprendendo a codificar e a utilizar convenções cartográficas como direção do mapa, escala, legenda, entre outros. Em todos os mapeamentos utilizam-se as duas cruzes para indicar as posições entre os objetos representados. Por exemplo, a carteira de fulano fica atrás da ciclano que por sua vez localiza-se à esquerda de beltrano e, assim sucessivamente...
c-      Cada criança poderá desenhar numa folha A3 uma cópia da carta de seu município com indicação da localização da área urbana, das sedes de fazenda, das estradas pavimentadas ou não, das curvas de nível e dos pontos cotados. Podem ser utilizadas as monografias municipais do Instituto de Geociências Aplicadas (IGA). Caso ela não tenha sido elaborada deve-se utilizar cartas topográficas, a partir das quais cada aluno poderá reproduzir os aspectos enumerados e, até mesmo, produzir uma carta municipal de acordo com os padrões utilizados pelo IGA. Indo um pouco além se pode pensar na construção por parte de cada aluno de um Atlas Municipal, cuja metodologia já foi estabelecida anteriormente (LE SANN, 1999). Uma vez de posse desses mapas utilizam-se as duas cruzes que deverão ser colocadas sobre pontos escolhidos pelo aluno ou pelo Professor, sempre na mesma formação, uma acima e à esquerda que a outra, e inicia-se a bateria de questões de localização, orientação, etc. As perguntas deverão se referir tanto a aspectos naturais como humanos. Podem ser direcionadas observações de correlações entre, por exemplo, sede de fazenda e presença de água, entre localização das estradas e espigões, distância da área urbana e rede de eletrificação rural, dentre outros. Deve-se trabalhar, nesse momento, os conceitos de lugar (“... porção do espaço geográfico apropriado para a vida cotidiana...” MINAS GERAIS, 2001:32), de rural, urbano, município, distrito, cidade, vila, povoado e, da mesma forma com temas relacionados a eles. Por exemplo, o “novo mundo rural” que vem se constituindo em função de um processo de transformação do campo brasileiro marcado fundamentalmente pela multiplicação de atividades não-agrícolas no meio rural (GRAZIANO DA SILVA, 1996 citado por ALENTEJANO, 2000: 100). É fundamental que os alunos registrem em suas cartas municipais as referências de latitude e longitude, transcrevendo esses valores.  Abordam-se então as questões de latitude norte e sul e longitude leste e oeste. Pode-se questionar os alunos quanto à possibilidade de se prolongar essas linhas na carta municipal e tentar imaginar por que locais elas passariam para preparar o trabalho com o mapa de Minas Gerais. Nesse momento já se pode substituir as cruzes pela rosa-dos-ventos, sendo que cada aluno deverá fazer as duas de que vai precisar, num tamanho compatível com o trabalho com as plantas, cartas e mapas. Eles poderão ser desafiados a construírem uma rosa-dos-ventos adaptável ao Globo Terrestre, o que vai reforçando a questão das projeções cartográficas e a abordagem multiescalar.
d-      Caso estejam disponíveis é hora de se trabalhar com fotografias aéreas. Preferencialmente, as fotografias deverão ser do município onde está localizada a escola. Sendo possível utiliza-se o estereoscópio para uma visão tridimensional e a delimitação de áreas em papel vegetal. Caso não seja possível trabalha-se na identificação de elementos registrados e tenta-se identificá-los na carta municipal. É um momento importante para se trabalhar de forma mais efetiva a noção de escala, já que as cartas municipais estão representadas em escalas de 1:50 000 e 1:100 000 enquanto as fotografias aéreas em escalas maiores. É hora de mostrar como evoluíram as técnicas de sensoriamento remoto desde os balões com a dificuldade de manter a mesma altitude e, consequentemente, a mesma escala na foto, até a utilização dos satélites. Sendo possível mostrar ou mesmo utilizar fotos de satélites em trabalhos de sala de aula, preferencialmente da região dos alunos. Aqui podem ser realizadas atividades com o GPS.
e-      Utilizando os mapas de Minas Gerais exercitam-se os mesmos procedimentos realizados com o mapa municipal. Continua-se utilizando as duas rosas dos ventos, identificando as referências de latitude e longitude (que são exclusivamente e, respectivamente, do hemisfério sul e oeste). Utiliza-se o mapa natural onde podem ser elaboradas questões sobre relevo, hidrografia, vegetação clima, entre outros. Aspectos esses estando explícitos nos mapas ou não. Por exemplo, é possível tentar identificar o tipo de clima pela altitude e vegetação natural. Esse pode ser o ponto de partida para um estudo das inter-relações entre os fenômenos ou elementos naturais.  Depois se utiliza o mapa político e as questões giram em torno dos municípios, da rede viária, das áreas de concentração da população (também de forma indireta pela concentração de sedes de municípios, por exemplo). Direciona-se a observação de inter-relações entre elementos humanos e naturais através da observação de concentrações no espaço representado. É possível introduzir um projeto que analise no cotidiano dos alunos aspectos da mineiridade para saber se continuam existindo nos moldes tradicionais ou modificados. A sovinice e a matreirice ainda faz parte dos mineiros? Que valores tem hoje o mineiro de maneira geral. São os mesmos valores de qualquer brasileiro ou ocidental? Que forças político-territoriais estão hoje mais fortes: a centrípeta ou a centrífuga, a de manutenção da coesão ou da fragmentação? O caso do possível estado do triângulo atualmente revitalizado vai ficar só no discurso, como tem sido com casos anteriores? Afinal quais são as especificidades de Minas Gerais que lhe dão identidade própria? Como foi sendo construído simbólica e materialmente esse território? Utilizando um meridiano e um paralelo mais central, e supondo um prolongamento deles, pergunta-se novamente que locais da superfície brasileira eles cruzariam, para preparar o trabalho de Geografia Regional ou com o mapa do Brasil.
f-       Em relação ao mapa do Brasil, os procedimentos são mais ou menos os mesmos com algumas adaptações como: as latitudes são agora norte e sul, as faixas latitudinais mais importantes são a intertropical e a subtropical. Como tema central sugere-se tratar da construção material e simbólica do Brasil já que ocorre uma evidente relação entre Cartografia e Geografia, mas acima de tudo por ser essa a questão que vai justificar, como foi visto anteriormente, o surgimento da própria geografia como ciência humana. Como explica Manoel Fernandes de Sousa Neto “Quando estamos a falar na construção do Brasil, estamos falando de como se costurou, ao resto dos mapas anteriores, aquilo que se passou a chamar de ‘novo mundo’, na realidade como se realizou uma violenta marcha para Oeste”.(SOUSA NETO, 2000: 9) Insere-se a questão do meridiano de Tordesilhas, do mito da ilha Brasil (SOUSA NETO, 2000: 11) Trabalha-se com exercícios sobre o Equador e o Trópico de Capricórnio, com a inclinação do eixo terrestre de 23º que coincide com a localização do Trópico. Orienta-se para que se possa perceber como as condições climáticas variam nessas duas faixas e porque isso ocorre. Estabelecem-se relações com o processo de migração estrangeira para o Brasil e a localização das comunidades alemãs, italianas, japonesas, dentre outras e, a participação dos migrantes nas mudanças da sociedade brasileira, nas relações de trabalho, na formação dos sindicatos, e assim sucessivamente... Novamente propõe-se o exercício de estender meridianos e paralelos escolhidos para tentar identificar as terras e os lugares pelos quais eles passam. Depois se utiliza o Globo Terrestre e/ou mapas do Mundo. Pode-se introduzir questões de geopolítica, do cone sul, da inserção do Brasil na América Latina, de suas relações com o Nafta, com a União Européia, com a Bacia do Pacífico, de Globalização, e assim por diante.
g-      Por fim realizam-se os mesmos procedimentos e adaptações aos mapas do Mundo e ao Globo Terrestre. Têm-se os quatro hemisférios, latitudes norte e sul, longitudes oeste e leste, fusos horários; pode-se relacionar projeções cartográficas a questões ideológicas, discute-se a questão do porquê a localização dos países ricos no hemisfério norte se o Planeta no espaço não tem embaixo e nem em cima, trata-se dos blocos econômicos, da fragmentação de territórios, da permanência do poder dos Estados-Nação diante dos Blocos econômicos, das áreas de conflito permanente (Oriente Médio), continentes ficando de fora quase que integralmente do bonde da história (África), o local se manifestando no global e vice-versa, os vetores hegemônicos da Globalização/Globalitarismo versus a contra-ordem dos processos horizontais de resistência sócio-econômico-cultural.
Como foi ressaltado anteriormente, estas são algumas sugestões que pretendem servir de exemplos para planejamentos de ensino da Geografia. Cada Professor dentro de seu ambiente de trabalho e de acordo com as condições existentes deverá adaptar, testar ou aplicar algumas dessas sugestões, avaliar os seus resultados e aperfeiçoá-las.
Conclusão: Através desses exemplos de relações entre aspectos da educação cartográfica e educação geográfica é possível perceber o quanto é importante para o planejamento de ensino da Geografia, uma preparação/formação adequada do futuro/atual Professor. Reforça a necessidade de uma formação inicial adequada, mas principalmente estabelece como indispensável a formação continuada. É preciso verificar, pesquisar e divulgar, uma vez que “a geografia que se faz é a que se ensina” (SUERTEGARAY, 1990: 85), até que ponto está existindo transposição didática, entendida aqui como estratégias de adaptação da Geografia produzida na acadêmica ao seu ensino. Sob outro ponto de vista é preciso que os Professores/Pesquisadores Geógrafos estejam sempre despertos para inventariar o descompasso entre produção acadêmica da Geografia e novidades teóricas surgidas no seio das demais ciências sociais e, principalmente, no âmbito da filosofia, para que não fiquemos pegando o bonde sempre atrasado. Nesse sentido é importante indicar alguns rumos a seguir. Embarcando no trem dos pessimistas “de carteirinha” temos que considerar o desacreditar nos “fundamentos” básicos da Civilização Ocidental provocados pelo pós-modernismo (fim das metanarrativas), os resultados apresentados pelo pós-estruturalismo (implosão do sujeito e da pedagogia crítica e junto uma certa Geografia Crítica), pelo neopragmatismo (deflacionismo da verdade), pela hermenêutica filosófica (fim de uma concepção de linguagem através do ataque à metáfora). Para tentar ser otimista faz-se necessário resgatar e/ou redimensionar o projeto moderno e iluminista para tentar realizar o não realizado e continuar acreditando em objetivos coletivos, ou mesmo participar da criação de um novo renascimento da cultura greco-romana para moldar novos humanismos e continuar acreditando na possibilidade de se forjar homens que constróem o mundo aonde vai se realizar sua própria vida (RODRIGUES, 1999: 21). Como vimos anteriormente, a Cartografia quanto a Geografia têm um papel preponderante na construção material e simbólica de mundos Dessa maneira valoriza-se sobremaneira esse ramo do conhecimento, mas também a educação e ao mesmo tempo a democracia, já que esta é o único regime político no qual quem cumpre suas normas e regras é também quem as elabora. Resgatam-se valores adormecidos tais como a cooperatividade, a autonomia, a solidariedade, o companheirismo, a generosidade, a sabedoria, que tanta falta estão fazendo nessa nossa imago mundi.
Referências Bibliográficas:
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SUERTEGARAY ROSSATO, Dirce Maria. A Geografia que se faz é a que se ensina. In: REVISTA ORIENTAÇÃO. São Paulo, n. 8, p. 85-87, 1990.

[1] Mestre em Geografia pelo IGC-UFMG e Professor/Pesquisador da FASF-LUZ/MG.

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