Numa agradável manhã de
domingo eu meus dois irmãos e minha mãe deixamos o rancho, e pegamos a estrada
a pé, para os lados do campo de futebol do causo
do macarrão. Minha mãe tinha essa mania que passou a ser nossa. Foram inúmeras
as vezes que fomos almoçar na beira do ribeirão próximo à nossa cidade natal.
Não levávamos nenhum apetrecho de pescaria, pois nesta época minha mãe ainda
não tinha a pesca como seu principal hobby.
Fomos por uma estrada estreita e toda colorida. Parecia como uma daquelas
estradas de desenho animado ou de um conto de fadas. As cores iam se sucedendo
tanto no leito principal como nos barrancos, de ambos os lados. Ninguém
consegue resistir e acaba sujando as mãos com aquelas argilas multicores. Estávamos
todos muito bem, muito alegres pelo passeio e a possibilidade de novas
descobertas, naquela manhã agradável e, também por estarmos em família, mesmo
que incompleta. Aos poucos a estrada foi tornando-se uma descida sem fim. Nada
de plano nem subida. Só uma descida que ficava também cada vez mais abrupta.
Era a primeira vez que passávamos por ali e ficávamos cada vez mais curiosos
sobre onde daria aquela descida interminável. Um de nós observou que para
descer todo santo ajuda, sendo que o problema seria na volta. Mesmo com este
inconveniente continuamos a aproveitar a caminhada tranquila e agradável, sem
pressa e sem nenhum conflito ou problema psico ou físico. Demorou mas o final da estradinha chegou e
junto com ele uma “paisagem” inusitada. Uma pequenina ilha de um pequeno
ribeirão, quase toda ocupada com uma casa e seu quintal. Com nossa aproximação
os cachorros começaram a latir cada vez mais alto e intenso, como se quisessem
nos intimidar, para que não viéssemos incomodar naquele lugar tão calmo, onde a
sonoridade era quase completamente natural. Fomos recebidos como parentes que
há muito não davam o ar da graça. Na casa apenas um casal de idosos como
moradores. Enquanto minha mãe e a dona da casa conversavam na cozinha, eu meus
irmãos tomávamos uma garapa feita na hora pelo dono da casa, de uma cana caiana
fresquinha. Minha barriga chegou a doer, mas fiquei com a sede saciada por um
bom tempo. Exploramos o quintal muito bem cuidado, com diversas árvores
frutíferas, plantas medicinais, além de uma horta muito bem cuidada. Tinha de
tudo praticamente. Havia uma necessidade vital de ser o mais autossuficiente
possível, e isto faziam com maestria. Como é de conhecimento corrente as únicas
coisas que não são passíveis de serem produzidas no sertão é o sal e o
querosene. Depois sentamos em bancos de madeira e couro de boi na cozinha, onde
a conversa corria animada, enquanto o dono da casa preparava sossegado um
cigarro de palha, sentado nos próprios calcanhares, próximo da porta da
cozinha. O café tinha acabado de passar pelo coador de pano, que soltava fumaça
em cima do fogão de lenha, cuidadosamente coberto com barro branquinho. Um bolo
de fubá estava esperando tranquilo sobre a mesa de madeira rústica com um forro
de crochê. Apesar da barriga ainda cheia de garapa não deu para resistir bolo
de fubá e café quentinhos. A dona da casa já tinha praticamente contado toda
sua história de vida. Tivera dez filhos, dois não vingaram, os outros oito estavam
casados e vivendo em diversos lugares de Minas Gerais, tinha vários netos e
bisnetos. Todos eles viviam suas vidas à distância e visitas eram muito raras. Praticamente
não saía daquele mundinho tão aconchegante e tranquilo. Seu marido ia de vez em
quando até a rua buscar alguma coisa
na venda ou tratar de algum negócio e de dinheiro. De resto nada mais provocava
uma saída dali. Com esta situação de anos vivendo isolada do resto do mundo
alguma coisa aconteceu na sua percepção e compreensão das coisas. No meio da
conversa de vez em quando minha mãe se espantava com a conversa dela. Quando se
referia ao marido sempre arrematava com a expressão: “ele venceu”. Depois minha
mãe comentou dizendo que a maior parte do que ela falava não tinha pé nem
cabeça. Por fim ela resolveu contar sobre o fogão de lenha depois que minha mãe
comentou sobre o capricho dela com a casa, com a cozinha e o fogão tão bem
cuidado e limpo: “pois é, o imposto tava
muito caro então eu tive que barrear ele todo.” Minha mãe não entendeu e ela
explicou: “Por baixo do barro é tudo cimentado com vermeião mas eu tive que passá
barro nele todo, porque se não nóis ia
tê que pagá imposto.” E arrematou com sua expressão característica: “Ele
venceu!”
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