sábado, 11 de agosto de 2012

O imposto do fogão a lenha: causo verídico do sertão de Minas Gerais.


Numa agradável manhã de domingo eu meus dois irmãos e minha mãe deixamos o rancho, e pegamos a estrada a pé, para os lados do campo de futebol do causo do macarrão. Minha mãe tinha essa mania que passou a ser nossa. Foram inúmeras as vezes que fomos almoçar na beira do ribeirão próximo à nossa cidade natal. Não levávamos nenhum apetrecho de pescaria, pois nesta época minha mãe ainda não tinha a pesca como seu principal hobby. Fomos por uma estrada estreita e toda colorida. Parecia como uma daquelas estradas de desenho animado ou de um conto de fadas. As cores iam se sucedendo tanto no leito principal como nos barrancos, de ambos os lados. Ninguém consegue resistir e acaba sujando as mãos com aquelas argilas multicores. Estávamos todos muito bem, muito alegres pelo passeio e a possibilidade de novas descobertas, naquela manhã agradável e, também por estarmos em família, mesmo que incompleta. Aos poucos a estrada foi tornando-se uma descida sem fim. Nada de plano nem subida. Só uma descida que ficava também cada vez mais abrupta. Era a primeira vez que passávamos por ali e ficávamos cada vez mais curiosos sobre onde daria aquela descida interminável. Um de nós observou que para descer todo santo ajuda, sendo que o problema seria na volta. Mesmo com este inconveniente continuamos a aproveitar a caminhada tranquila e agradável, sem pressa e sem nenhum conflito ou problema psico ou físico.  Demorou mas o final da estradinha chegou e junto com ele uma “paisagem” inusitada. Uma pequenina ilha de um pequeno ribeirão, quase toda ocupada com uma casa e seu quintal. Com nossa aproximação os cachorros começaram a latir cada vez mais alto e intenso, como se quisessem nos intimidar, para que não viéssemos incomodar naquele lugar tão calmo, onde a sonoridade era quase completamente natural. Fomos recebidos como parentes que há muito não davam o ar da graça. Na casa apenas um casal de idosos como moradores. Enquanto minha mãe e a dona da casa conversavam na cozinha, eu meus irmãos tomávamos uma garapa feita na hora pelo dono da casa, de uma cana caiana fresquinha. Minha barriga chegou a doer, mas fiquei com a sede saciada por um bom tempo. Exploramos o quintal muito bem cuidado, com diversas árvores frutíferas, plantas medicinais, além de uma horta muito bem cuidada. Tinha de tudo praticamente. Havia uma necessidade vital de ser o mais autossuficiente possível, e isto faziam com maestria. Como é de conhecimento corrente as únicas coisas que não são passíveis de serem produzidas no sertão é o sal e o querosene. Depois sentamos em bancos de madeira e couro de boi na cozinha, onde a conversa corria animada, enquanto o dono da casa preparava sossegado um cigarro de palha, sentado nos próprios calcanhares, próximo da porta da cozinha. O café tinha acabado de passar pelo coador de pano, que soltava fumaça em cima do fogão de lenha, cuidadosamente coberto com barro branquinho. Um bolo de fubá estava esperando tranquilo sobre a mesa de madeira rústica com um forro de crochê. Apesar da barriga ainda cheia de garapa não deu para resistir bolo de fubá e café quentinhos. A dona da casa já tinha praticamente contado toda sua história de vida. Tivera dez filhos, dois não vingaram, os outros oito estavam casados e vivendo em diversos lugares de Minas Gerais, tinha vários netos e bisnetos. Todos eles viviam suas vidas à distância e visitas eram muito raras. Praticamente não saía daquele mundinho tão aconchegante e tranquilo. Seu marido ia de vez em quando até a rua buscar alguma coisa na venda ou tratar de algum negócio e de dinheiro. De resto nada mais provocava uma saída dali. Com esta situação de anos vivendo isolada do resto do mundo alguma coisa aconteceu na sua percepção e compreensão das coisas. No meio da conversa de vez em quando minha mãe se espantava com a conversa dela. Quando se referia ao marido sempre arrematava com a expressão: “ele venceu”. Depois minha mãe comentou dizendo que a maior parte do que ela falava não tinha pé nem cabeça. Por fim ela resolveu contar sobre o fogão de lenha depois que minha mãe comentou sobre o capricho dela com a casa, com a cozinha e o fogão tão bem cuidado e limpo: “pois é, o imposto tava muito caro então eu tive que barrear ele todo.” Minha mãe não entendeu e ela explicou: “Por baixo do barro é tudo cimentado com vermeião mas eu tive que passá barro nele todo, porque se não nóis ia que pagá imposto.” E arrematou com sua expressão característica: “Ele venceu!” 

Nenhum comentário:

Postar um comentário