quarta-feira, 8 de agosto de 2012
Prosopopeia VI
Uma
mesma ideia pode ser expressa de diversas maneiras porque podem variar as
palavras, e o contexto onde ela é expressa. Outro dia eu disse que em algum
momento eu iria tentar verificar algumas dessas situações. Assim, tentando uma
verificação mesmo que não exaustiva, quanto a significados de ideias que se
referem de alguma maneira à ontologia podemos começar com a questão da
existência: Existe mesmo felicidade? Como viver melhor nesse nosso mundo?
Existiria uma resposta para esta questão que pudesse ser considerada a resposta? Ou seja, podemos pensar em
uma resposta para todos os humanos de uma maneira geral? Ou cada vida teria a
sua melhor maneira de ser vivida? Neste caso, acredito que podemos utilizar uma
das máximas de Rainer Werner Fassbinder, o grande cineasta alemão: “Posso
dormir quando estiver morto”. Pare e pense: você pode utilizar esta afirmação
para expressar a verdade de sua vida, agora neste momento? Vamos criar uma
situação na qual isto possa ficar mais claro. Suponhamos que você acabou de
morrer, porém continua com sua consciência e memória. Do que você se arrepende
de não ter feito, e agora está profundamente arrependido e pede
desesperadamente por um milagre, para ter de novo a possibilidade e a liberdade
de realizar este algo. Relações familiares, amorosas, das amizades, planos de
viagens e outras tantas coisas como documentos, testamento, e assim por diante.
Gostaria de ter abraçado mais as pessoas que ama? De ter se doado mais para
elas? De ter sido mais compreensivo com elas? Talvez com mais sentido de que
tudo isto, você se perguntaria: qual o meu legado? O que deixo para trás de mim
mesmo? Qual a magnitude e qualidade de minha pegada? Que realizações da minha
vida têm o mérito de serem registradas no rol das contribuições para a
humanidade? Escrevi um livro; plantei uma árvore; tive um filho; fui um pai,
uma mãe ou filho dedicado? Enfim, tive uma vida virtuosa, fui um junzi, a pessoa virtuosa de Confúcio:
leal, sincera, cortês, piedosa, recíproca e benevolente. Será isto possível?
Você conhece alguém que reúne todas estas qualidades? Aqui acredito que a
maioria das pessoas pensa em religiosos e religiosas. O Dalai Lama, por exemplo,
que tem tantas frases que valem a pena conhecer como esta: “Só
existem dois dias no ano que nada pode ser feito. Um se chama ontem e o outro
se chama amanhã, portanto hoje é o dia certo para amar, acreditar, fazer e
principalmente viver”.
Será que algum dia haverá uma mínima possibilidade do amor universal do
discípulo de Confúcio: Mozi o criador do Moísmo? Há mesmo sempre reciprocidade
em nossas ações? Quem consegue tratar os outros como gostaria de ser tratado?
Não resta a menor dúvida de que tal situação generalizada gestaria uma
sociedade melhor, mais justa e harmônica. Ou será que temos de parodiar Caetano
Veloso e dizer: “Ou não!”. A natureza maléfica do homem é o que predomina, e
ela deve ser combatida com rigor, para garantir uma sociedade mais harmoniosa,
como o legalismo adotado pela dinastia Qin do século III a C. Mais ou menos o
que prescrevia Hobbes no final do século
XVII com seu sistema legal, que estabelecia penas severas para os criminosos.
Para Sócrates a primeira tarefa da filosofia é compreender o que somos. Para
ele vida virtuosa existiria na medida em que fazendo a coisa certa, vivendo de
acordo com a moral estabelecida alcançaríamos a paz de espírito. Acreditava que
ninguém deseja ser uma pessoa má, porque isto implicaria em conflitos de
consciência e, portanto falta, justamente, daquela paz de espírito. Ele
defendeu a ideia de que a melhor coisa que podemos fazer nas nossas vidas é
investigar a nós mesmos e aos outros. O utilitarista Jeremy Bentham chegou a
propor um cálculo do prazer sentido por um indivíduo. Propôs uma sociedade na
qual se deveria buscar o maior grau de prazer para o maior número possível de
pessoas. Acho que isto tem alguma relação com a Utopia de Thomas Morus: “Os
Utopienses inclinam-se a pensar que todo prazer que não engendra o mal é
permitido”. Para John Stuart Mill o caminho para aumentar a felicidade geral é
a educação, que juntamente com a opinião pública deveria promover o indivíduo
feliz e o bem estar social. Como está nossa educação? Aumentando a felicidade
geral? Mill defendia a liberdade individual para a busca dos objetivos
pessoais, ressalvando com seu “princípio do dano”, a situação na qual um
indivíduo venha a prejudicar a felicidade dos outros. Utopia (não existe tal
lugar) também? Na verdade não há a liberdade nem condições necessárias para que
se efetive o livre arbítrio de buscar seus objetivos pessoais. Estes estão
cerceados pelas contingências do cotidiano, dos recursos das mais diversas
categorias que se possa listar. Algo como “eu sou eu e minhas circunstâncias”
de José Ortega y Gasset. Esta é a mesma ideia expressa pelo “clima” ou “estar
entre” de Tetsuro Watsuji, quando pensa que o indivíduo só pode ser
compreendido como resultado da época em que viveu? Temos, então, que concordar
com Rousseau de que o conhecimento, as artes e a ciência na verdade corrompem a
moral, diminuindo as chances de felicidade? Mais ainda, contrariando Stuart
Mill, devemos concordar com Jean-Jacques Rousseau quando afirma que a educação
corrompe o estado natural dos homens e perpetua os males da nossa sociedade,
minando as possibilidades de prazer e felicidade? E o que dizer de Bertrand
Russell, que de certa forma defende o direito ao ócio ou atém mesmo o tão pouco
difundido direito à preguiça, direito ao lazer, afirmando que menos trabalho
implica em mais felicidade? Como as pessoas procuram ocupar suas horas livres
do trabalho? Pensando do ponto de vista de uma vida virtuosa e prazerosa, até
que ponto aproveitamos de forma adequada nossas horas livres? Normalmente, as
pessoas fazem aquilo que sentem vontade de fazer. Novamente a dúvida quanto a
isso somente se pode reportar a cada indivíduo em si ou é possível
características aceitas pela maioria? Todas as pessoas deste planeta se sentem
bem e realizadas fazendo o quê? Praticando esporte, pescando, escrevendo, lendo,
jogando futebol, assistindo a um filme, indo ao teatro, a um concerto musical,
a um evento de dança, curtindo um forró, tocando um instrumento, lendo
filosofia, realizando uma pesquisa científica, ganhando uma medalha olímpica
para o seu país, marcando um gol, matando a sede e a fome, viajando, fotografando,
amando, tendo filhos, exercendo a amizade, ajudando ao próximo, dedicando-se à
vida religiosa, postando no facebook,
sendo um cineasta, um escritor, um filósofo, um cientista, um artista, um
pintor, um dançarino, um escultor, um sei lá o que... Existe alguém neste nosso
planeta que não sinta prazer em matar a sede e a fome? Muitas pessoas não têm o
hábito de tomar muita água, e mesmo sentem dificuldades para se alimentar.
Mesmo assim, sem sombra de dúvida poderíamos dizer que as necessidades
fisiológicas são prazerosamente saciadas. Os louros da vida virtuosa no
reconhecimento social através do respeito por aquela pessoa que vive desta forma,
também não deixam de ser uma satisfação geral e que se aplica a todo ser
humano. Cada um de nós e todos nós ao mesmo tempo sentimos satisfação no
respeito expresso pelo comportamento das outras pessoas em relação a nós mesmos.
Riqueza, honra e glória são os componentes básicos da felicidade? Costumam
dizer que dinheiro não trás felicidade manda buscar... Honra e glória para
grande parte das pessoas hoje em dia não parecem ser apetecidas. Alguns chegam
mesmo a rir de quem as valoriza. Quando temos em mente o conceito de felicidade
como um estado de prazer permanente não há como não concordar que se trata de
um lugar que não existe (utopia). É plausível concordar com a existência de
momentos prazerosos em nossas vidas. E o que podemos fazer é tentar aumentar as
chances de que eles venham tornar-se realidade. Mas, tudo isto não passa de prosopopeia.
Ainda bem...
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