ANAIS DO 7o ENCONTRO NACIONAL DE PRÁTICA DE ENSINO DE
GEOGRAFIA
Vitória/ES
– UFES – 14 a 18 de setembro de 2003
A
GEOGRAFIA NAS PRIMEIRAS ETAPAS DA EDUCAÇÃO BÁSICA: SUPERANDO AS REPRESENTAÇÕES
SOCIAIS1
.
Jairo
Melgaço
Mestre
em Geografia – IGC-UFMG
E-mail:
jotaeme.jairo@hotmail.com
Resumo:
O
trabalho de formar professores e de orientar o Estágio Pedagógico evidenciou
dificuldades de aprendizagem de temas geográficos que remontavam ao tempo de
escolaridade na Educação Básica dos graduandos. Tal constatação motivou a
proposição de um Projeto de Pesquisa para tentar identificar os principais
motivos da existência dessas ineficiências e tentar estabelecer estratégias
para que elas pudessem ser superadas. As análises realizadas até o momento
permitem concluir que suas principais causas estão relacionadas com a falta de
ruptura com o senso comum na produção de conhecimento geográfico e no
planejamento (quando existe) do ensino da geografia. Torna-se evidente a necessidade
da superação dessas representações sociais que, ao mesmo tempo, promovem
explicações metassociais para problemas sócio-geográficos, e instauram o
espontaneísmo como premissa de ensinagem. Entre as estratégias propostas
de superação dos problemas identificados podem ser incluídas: a) realização da
Primeira Ruptura com o senso comum através de uma abordagem da evolução do
pensamento geográfico, que consiga identificar as etapas e os paradigmas que
foram acontecendo ao longo do tempo e caracterizando a Geografia para superação
das explicações/compreensões metassociais; b) caracterização geral da Geografia
como disciplina escolar nesse início de século capaz de estabelecer novos
cenários para o seu ensino; c) A Segunda Ruptura com o senso comum pode ser
realizada através de um processo que encare a transposição didática como
objetivo do ensino formal, ou através da promoção de um trabalho de desensinagem
para que os Geógrafos-professores possam ver o ensino da Geografia como
nunca viram.2
Palavras-chave:
pesquisa
– ensino da geografia – representações sociais – transposição didática – desensinagem.
Gostar
de agir com bom senso, intuição e humanidade é bom, mas ensinar atualmente
exige,
mais
que tudo, habilidades específicas, saberes e competências que não derivam do
senso comum,
mas
de uma formação didática e pedagógica árdua.” (Perrenoud, 2003)
1-
Contextualização.
O trabalho com a formação de professores
para o Ensino Fundamental e Médio evidenciou uma realidade regional3 caracterizada
por uma situação preocupante quanto à qualidade do ensino da Geografia. São
inúmeros os exemplos de procedimentos mal orientados e inadequações (conteúdos
como objetivos de ensino; falta de articulação adequada entre objetivo,
conteúdo, metodologia, recursos e avaliação nas propostas mais tradicionais de
planejamento de ensino; ensino mnemônico; omissões quanto à alfabetização
cartográfica; avaliação seletiva, final e excludente; ensino da cartografia descontextualizado
do geográfico; planejamento inadequado quanto à distribuição do tempo para as diversas
disciplinas nas quatro Primeiras Séries do Ensino Fundamental; entre outras).
Parece existir um ciclo vicioso que vai
acumulando situações insatisfatórias, que geralmente culminam numa depreciação
geral da Geografia, do seu ensino, dos profissionais a ela ligados e, ao mesmo
tempo, numa apatia quanto à escolha dessa área de conhecimento como opção para
um futuro profissional.
A problemática que se estabelece a
partir desses pressupostos básicos e gerais aponta para a necessidade de
Projetos de Pesquisa que possam contribuir para a identificação dos diversos
tipos e níveis de inadequação do ensino da Geografia e, ao mesmo tempo, das
potencialidades existentes para que se possa propor soluções contextualizadas,
que utilizem essas potencialidades na superação dos problemas identificados.
Situações de evasão, exclusão social e, conseqüentemente, problemas socioambientais
de todo tipo, como miséria, pobreza, violência, poluição, falta de iniciativa
na solução dos próprios problemas e da sua comunidade, inadequações na
utilização dos recursos naturais, entre outros tantos que aqui poderiam ser
enumerados, são em grande parte decorrentes de uma educação que não realiza
adequadamente a sua função social.
O Projeto que vem sendo desenvolvido
objetiva resgatar a importância da Geografia e do seu ensino. As atividades
propostas no Projeto relacionam-se com a educação geográfica nas Primeiras etapas
da Educação Básica. Essas atividades se subdividem em quatro momentos básicos:
1) diagnóstico das condições do ensino de geografia identificando problemas e
potencialidades, a partir de levantamentos de dados e informações; 2)
estabelecimento de estratégias para solução dos problemas; 3) intervenção na
realidade via projetos de atuação de estágio curricular e/ou de prática de
ensino; 4) acompanhamento das mudanças de atitudes dos professores atuantes e
seus alunos na medida em que os projetos de atuação forem sendo aplicados; 5-
elaboração, execução, avaliação e aperfeiçoamento de projetos de extensão.
A área de estudos é definida pelo espaço
abrangido pelas escolas dos municípios de origem dos alunos do curso de
Pedagogia da Faculdade de Educação de Bom Despacho. Portanto, a cada nova turma
ela se altera.
2-
Resultados Parciais.
A
aplicação de um inventário das condições de ensino da Geografia nas Primeiras
Etapas da Educação Básica evidenciou diversas situações explicativas para os
problemas identificados, além de inúmeras potencialidades passíveis de serem
canalizadas para a solução daqueles. Esses são alguns exemplos:
1-
Apesar da maioria dos professores (57,6) terem como formação o Magistério de
nível médio quase todos pretendem continuar estudando e 21,5 % dos
entrevistados estão matriculados em cursos de graduação, principalmente
Pedagogia.
2-
A maioria dos professores entrevistados considerou válido o Programa de
Capacitação de Professores de Geografia Fase Escola Sagarana – Procap e muitos
justificaram da seguinte maneira as mudanças nas suas práticas pedagógicas,
após esse programa:
“aprendi
novas maneiras de trabalhar a Geografia (22,9%); passei a trabalhar mais com o
concreto utilizando a realidade do aluno no seu espaço; a Geografia é muito
mais importante trabalhada fora da sala de aula; porque notamos que a Geografia
é tão importante quanto as outras matérias; descobri que existem maneiras
diferentes de se trabalhar a Geografia; aprendi as possibilidades de
alfabetizar através desse conteúdo.”
3-
Para a pergunta: Quando você faz seu planejamento anual de ensino costuma
estabelecer primeiro os objetivos ou os assuntos? 59% optaram pelos objetivos.
4-
Mais da metade das Escolas (55,5%) tem uma carga horária semanal para cada uma
das disciplinas escolares, sendo que em muitas delas atuam mais de um professor
por turma. Foram identificadas muitas outras potencialidades, entretanto,
parece que predominam os problemas.
Entre
as questões propostas para os professores três estão mais diretamente
relacionadas com o que está sendo discutido nesse artigo: 1- Quais as
dificuldades mais comuns apresentadas pelos seus alunos no aprendizado da
Geografia? “Problemas com lateralidade, localização, direção, limites,
linguagem cartográfica; aquisição de vocabulário específico; questões cardeais
(localização); relacionar desenhos de mapas a um espaço; investigar paisagens e
estudo do meio; dificuldade de analisar espaços distantes porque a maioria não
saiu do seu local de vivência; localização de países no globo terrestre;
compreensão de textos apresentados (interpretação); aprender coordenadas
geográficas; produção de textos com temas geográficos; aprender a noção de
espaço; aprender teorias, só a prática que ajuda mais a compreensão; fazer
esboço do espaço vivido através de desenhos topográficos; decorar matérias”.2-
Que competências e habilidades para leitura e interpretação do mundo você consegue
identificar em seus alunos? “Desenhos das paisagens locais e mapas; falar
de outros países com segurança, principalmente sobre futebol; fazer relatórios
de excursão; ler e interpretar pequenos textos para resolver questões do
dia-a-dia e falar adequadamente; atenção para o que acontece ao redor deles e
para com experiências novas; olhar crítico; observar as transformações geradas
no espaço, seu meio de vivência; transpor o longe para o perto (Rio Tietê – Rio
local); facilidade de expressar os acontecimentos cotidianos oralmente e
através de trabalhos artísticos; facilidade de perceber o tipo de relevo da
cidade, das ruas; localizar as capitais dos países; orientação no espaço;
leitura visual da paisagem; trabalhar o espaço utilizando material concreto como
se estivesse brincando; interesse por ouvir relatos sobre a Terra, o Sol e a
Água”. 3- que competências e habilidades para leitura e interpretação do mundo
seus alunos ainda não adquiriram? “Leitura e confecção de mapas
devido sua representação codificada; compreender o meio como fruto das relações
de interesses diferentes (homem – natureza); importância da geografia para o
dia-a-dia; só conseguem ler o mundo que os rodeia; legenda; quando precisam ler
coisas que não passam na TV ou rádio; leitura da paisagem, descrever
itinerários utilizando mapas; muitas que ajudariam a ver o mundo com outros
olhos: limites, auto-crítica, amizade, respeito e auto-estima; a compreensão de
que a natureza pode ser tanto biofísica quanto transformada e criada pelo
homem; não aceitar o outro (colega) como parte do mundo e respeitar os seus
direitos; como utilizar a leitura visual da paisagem no seu dia-a-dia;
memorização.” Uma análise mesmo que superficial desses exemplos de respostas
permite algumas conclusões:
1- existe
praticamente uma resposta diferente por entrevistado – o que isso sugere?
Parece não existir consensos sobre que preocupações se referem diretamente à
Geografia e seu ensino. Essa questão foi abordada anteriormente4 numa tentativa
de ordenação geral das diversas opiniões a esse respeito “buscando uma visão
das relações entre o novo e o velho, para verificar orientações que vêm
resistindo ao tempo, e que portanto possam vir a fazer parte da fundamentação
de uma teoria do ensino da Geografia” (Melgaço e Augustin, 1999:197). É preciso
considerar, no entanto, que responderam professores com formações
diferenciadas, de diversos municípios, de turmas que vão desde o ensino
infantil até as Primeiras Séries do Ensino Fundamental. As respostas parecem
traduzir preocupações e situações vividas em sala de aula no momento em que
foram respondidos os questionários, o que evidencia mais uma vez, com raras
exceções, uma falta de norte geral e até certo ponto mais permanente para o
ensino da geografia; 2- Ao mesmo tempo que as respostas são muito
divergentes entre si ocorre uma repetição quanto ao que se considera
dificuldade, competência e habilidade que os alunos já têm ou que ainda precisam
ter. 3- Algumas respostas não se referem ao perguntado e algumas são
muito preocupantes, como a que considera a memorização como uma habilidade
fundamental para leitura e interpretação do mundo. Não que a memorização não
seja necessária em determinadas situações5, mas colocá-la como objetivo de ensino
da geografia é muito preocupante, já que existe há algum tempo uma luta para
superar o ensino mnemônico na Geografia, que se traduz quase sempre em
questionários com perguntas e respostas que devem ser decoradas para uma prova
ou intermináveis listas de capitais, de afluentes, entre outros. 4- O
ensino de temas cartográficos continua sendo um dos maiores problemas para os
professores de Geografia, principalmente nessas etapas de ensino abordadas. 5-
Deficiências com a língua pátria dificultam o ensino da Geografia. Em alguns
casos a solução encontrada é não ensinar Geografia e concentrar o trabalho no
Português e na Matemática. Essa situação talvez seja a
que
mais contribui para explicar os problemas com a iniciação a uma formação
geográfica. O professor tem alguma razão quando considera o Português e a
Matemática como pressupostos para o ensino da Geografia, no entanto isso não
justifica a opção por deixar de ensinar Geografia. É preciso utilizar a
criatividade. Por exemplo, é possível trabalhar interpretação utilizando textos
geográficos; pode-se ensinar matemática através do ensino de temas
cartográficos e, assim, sucessivamente.
Algumas
supervisoras argumentam que:
“(...) às vezes a gente não sabe que
está trabalhando Geografia, mas só delas (as crianças) estarem lá ocupando
espaço, falamos muito como são as casas delas, como é no recreio, andamos com
as crianças. Na nossa escola tem muitas árvores, muitos lugares para elas
observarem. Assim, a gente começa trabalhar Geografia desde os quatro anos e
sem saber que estamos trabalhando Geografia, muitos professores falam que
não estão trabalhando Geografia, mas trabalham sem saber, sem usar o nome
específico. Ou “Tem gente que nunca foi à escola e aprende, aprende com o
mundo, com a vida e as pessoas, não tem que ser necessariamente com a
Geografia, apesar de estar relacionado, e tanto é que a gente encontra
adultos, pessoas formadas que tem hora que você pergunta para ele o que é
direita
ele
bate o braço para poder saber qual é a direita, qual é esquerda” Ou “Quando a
gente também trabalha com a criança pequena, que a gente acompanha até mesmo os
filhos da gente, como que ele aprende a falar, a se conduzir dentro de casa sem
que a gente esteja questionando todos os dias, e ver todos os dias que está
sempre à procura de algo que tem uma afirmativa (...) não é cobrado como conteúdo
específico, mas é trabalhada com o aluno. Por exemplo: onde é o banheiro? A
secretaria da escola? Assim ele tem noção de espaço, fiz essa colocação
de acordo com isso, um aprendizado espontâneo, o aprendizado vem surgindo desde
que ele se coloca como ser humano, e que é a gente de um todo desde o começo...
Ou: “A partir do momento que a gente trabalha a alfabetização ou está
trabalhando na pré-escola e pede para ele desenhar o percurso da casa dele até
a escola, você está trabalhando o quê? A Geografia. Só que não foi dito para os
alunos que se está trabalhando Geografia (...) você trabalha as noções como já
foi muito bem explicado só que não é colocado como Geografia específica.” (Depoimentos
de Supervisoras)
Tais argumentos têm relação, por um lado
com a educação diretiva/não diretiva abordada por Paulo Freire (1995) e, por
outro, com a necessidade de ruptura com o senso comum nas ciências sociais.
Há uma certa diferença entre as idéias
de um saber espontâneo na argumentação de Paulo Freire e a denominação dada à
postura de aceitação do aprendizado sem ensino planejado. Nesse último caso, espontaneísmo
é o mesmo que educação não-diretiva, se é que isso é possível quando se trata
de conhecimentos específicos a uma dada área e voltada para uma determinada
faixa etária dos aprendizes. Não resta a menor dúvida quanto à possibilidade do
aprendizado sem ensino, o autodidatismo ou a autoinstrução, mas se isso fosse
levado ao extremo justificaria o fechamento de todas as escolas. De qualquer maneira
fica claro na fala de Paulo Freire o seu desacreditar na possibilidade do
espontaneísmo em educação, mesmo que ele estivesse pensando mais na relação professor
– aluno, onde no dirigir e no ser dirigido não existe uma situação de imposição
unilateral e inquestionável. Apesar da relação direta entre as duas situações,
nessa abordagem o espontaneísmo se refere à possibilidade de aprendizado sem
ensino, de determinadas noções e conceitos específicos a uma iniciação à
formação geográfica.
Entre as situações explicativas dos
problemas podem ser citadas: a) o processo de ensino ser planejado e executado
por um professor generalista, que tem como tarefa trabalhar todos os conteúdos das
diversas disciplinas escolares, e que, na maioria das vezes, tem dificuldades
específicas que redundam em falta de confiança na capacidade de ensiná-los; b)
inexistência de horários prefixados para cada uma dessas disciplinas ocorrendo
casos em que algumas sempre ficam para um depois que nunca chega; c) o
professor não vê necessidade em ensinar determinados assuntos pressupondo uma
aprendizagem espontânea; d) falta de clareza quanto à função da Geografia
Escolar, ou seja, do papel que ela deve desempenhar no processo educativo; e) o
modismo do trabalho com Projetos de Flexibilização das fronteiras disciplinares
sem que ocorra a disciplinaridade como um dos seus pressupostos.
3-
Sugestões de estratégias de superação dos problemas identificados
a)
Caracterização geral da Geografia como disciplina escolar nesse início de
século.
No que diz respeito ao ensino da
Geografia é preciso levar em conta as possibilidades existentes para seu
norteamento no processo educativo, ou seja, é preciso verificar que objetivos
ela deve estar perseguindo hoje, na chamada sociedade do conhecimento.
Atualmente, a Geografia é vista como uma ciência social e, para seu ensino,
estabelece-se como um objetivo geral e básico a preparação das pessoas para que
elas possam compreender e atuar nesse mundo marcado pelo dinamismo nas
transformaçõessociais, cada vez mais rápidas e surpreendentes. Na verdade, o
trabalho de qualquer professor com qualquer disciplina escolar tem que ter,
como um dos seus objetivos básicos, o sonho de uma sociedade mais justa, como
argumenta Freire (1995).
Para uma adequada inserção no mercado de
trabalho caracterizado pelo aumento progressivo do desemprego estrutural é cada
vez mais importante uma preparação diferente das pessoas no que diz respeito às
competências e habilidades que lhes serão úteis. Entretanto é fundamental não
se esquecer que a educação não pode restringir seus objetivos a uma preparação
técnica. É preciso valorizar a cultura, o humanismo e a colocação das condições
para que, toda vez que haja consenso entre quem propõe e a quem é proposto, se
possa promover uma formação mais satisfatória do ponto de vista da individuação
e socialização.
Todas essas situações novas têm se
traduzido em otimismos e pessimismos quanto ao futuro da geografia enquanto
ciência e disciplina escolar. O contexto da Terceira Revolução Industrial,
segundo Vesentini (1999), promove uma valorização sem precedentes do ensino da
geografia, já que a globalização, diferentemente da internacionalização da
economia que era feita pelo alto através das multinacionais ou de acordos
interestatais onde a maioria da população não participava a não ser como
consumidores passivos, envolve multidões no mundo inteiro, classes médias,
organizações não-governamentais, decisões individuais, fax via países, redes de
computadores, turismo que envolve cerca de 500 milhões de pessoas no mundo
todo, fluxos eletrônicos de capitais e migrações, tudo isso valorizou uma
necessidade de aprender geografia, de compreender o mundo em que vivemos, nas
escalas local, nacional e mundial.
Castrogiovanni (2001) acredita que o
processo de homogeneização da globalização coloca em questão a própria
necessidade da geografia: “Com a globalização há uma tendência de tornar-se
tudo representações estilizadas, realidades pasteurizadas e virtuais. O específico
precisa ser homogeneizado, integralizado nos padrões universais. Tudo se
globaliza, como se as coisas, as pessoas e as idéias se transfigurassem pela
magia da multimídia. (...) o homogêneo não existe. É a singularidade dos
lugares que os fazem nascer e existir. (...) Quando não lidamos com as
particularidades dos diferentes lugares, dos distintos mundos, materializa-se o
mundo dos interesses. (...) A riqueza do espaço-temporal, tratadona geografia,
desaparece na globalização.”
Pontuschka ressalta uma preocupação com
a orientação dada pela corrente político-econômica neoliberalista para as
reformas educacionais e sugere algumas maneiras pelas quais os “geógrafos educadores
juntamente com os demais profissionais podem promover ações pedagógicas que se
traduzam em um movimento de resistência a essas reformas (...)”
(Pontuschka, 2000).
A autora insiste a idéia de que “Não é
possível pensar o ensino e aprendizagem da Geografia sem pensar que ela é parte
integrante da escola (...)” sugerindo a necessidade de um trabalho coletivo. Entre
as possibilidades de realização desse trabalho em equipe quase sempre se
enfatiza os projetos interdisciplinares. No entanto, quando se trata
especificamente das Primeiras Etapas da Educação Básica ocorre uma situação que
precisa ser analisada de forma mais detalhada. Trata-se da interdisciplinaridade
sem a prévia disciplinaridade. Existe uma orientação geral para realização de projetos
inter ou transdisciplinares num momento da escolaridade em que as crianças e,
às vezes, os próprios professores, não conseguem identificar e delimitar os
conhecimentos que caracterizam as áreas envolvidas. Como flexibilizar as fronteiras
de uma área do conhecimento se elas não foram adequadamente fixadas?
b)
Para realização da Primeira Ruptura com o senso comum.
Um dos entraves básicos do processo de
aperfeiçoamento do ensino da Geografia são as concepções do senso comum em
relação a ela. A sua reformulação científica, ou seja, sua passagem da doxa (conhecimento
pessoal, opinião, crenças ou representações do senso comum) para nous (conhecimento
verdadeiro, segundo Platão, conhecimento do observador especializado ou
conhecimento científico) precisa estar articulada com o processo de volta, ou
seja, uma transformação do senso comum incorporando resultados do nous (Adaptado
de Sacristán, 1999: 123). De acordo com Augusto Santos Silva (1987) a
epistemologia de Bachelard apoiou as teorizações de Durkheim sobre a
legitimidade da análise dos fatos sociais, evidenciando que “as disciplinas
sociais são especialmente permeáveis às interpretações de senso comum” (Silva,
1987: 30). Uma relação mais evidente com esse aprendizado espontâneo em questão
pode ser verificada no seguinte argumento: “A ilusão da transparência, da familiaridade
com o social – que autorizam a produção, a baixo preço, de sociologias ou
economias ‘espontâneas’ – e os sistemas de atitudes e ações ligados às
condições sociais objectivas – que obrigam à produção a qualquer preço de
sociologias ou economias ‘espontâneas’ – representam os mais poderosos obstáculos
à análise científica” (p. 30).
Alguns autores realizaram abordagens da
relação entre senso comum e a Geografia e seu ensino. Considerando a descrição
dos fenômenos, principalmente físicos e paisagísticos como o papel atribuído à
Geografia na escola, pelo senso comum, o que provoca uma sensação de
inutilidade nos professores, decorrentes dessa visão comum de que ela seja uma
disciplina inútil e decorativa, Diamantino Pereira (1996) acredita que a missão
da geografia no 1º grau caracterizado de forma ampla pelo processo de
alfabetização é “alfabetizar o aluno na leitura do espaço geográfico, em
suas diversas escalas e configurações” (p. 55).
Ana Maria Simões Coelho em artigo
intitulado “Ensino de Geografia: a necessidade de superar o senso comum”
considera que tradicionalmente não existia uma preocupação em explicitar o “conteúdo”
da Geografia e a conclusão era de que ela “supostamente se interessa por ‘tudo’
a partir apenas do ponto de vista da localização no mundo” (Coelho, 1999: 44).
Situação que foi questionada, denunciada, problematizada e criticada ainda
segundo a autora, com o advento da Geografia Crítica, mas apesar de todo esse
processo, os problemas permaneceram. Mais especificamente relacionado com a
questão do senso comum considera que as pessoas que acreditam que a Geografia
seja uma coletânea de dados físicos e humanos de uma região, e o seu ensino a
sua transmissão para os alunos estão praticando a Geografia a partir de uma
visão fundamentada no senso comum. Diz que essa visão está muito arraigada e
que não se trata de desvalorizar o senso comum que se relaciona com o
conhecimento prévio do aluno é preciso dar um outro tratamento aos conteúdos no
ensino formal. Explica que a permanência além do desejado do conhecimento
adquirido no dia-a-dia redunda numa falta de senso crítico e “faz com que as
pessoas pensem e ajam como se já soubessem tudo o que é necessário saber a
respeito dos diversos assuntos”(p. 47-48, Grifo meu). A abordagem da autora
preocupa-se diretamente com a formação dos professores de Geografia e valoriza
a fundamentação teórica como garantia de autonomia para esses professores.
Ao
mesmo tempo não existe um consenso sobre as vantagens da reformulação do senso
comum pela ciência. Nietzsche quando examina o sistema educacional de sua época
defende a idéia de que: “Pela instrução elementar obrigatória para todos, não
se chega ao que se chama de cultura popular a não ser de uma forma grosseira e
artificial” esta estaria ligada à terra natal e aos costumes locais “onde o
povo conserva seus instintos religiosos, onde continua a trabalhar no sistema
poético de suas imagens míticas, em que permanece fiel aos seus costumes, ao
seu direito, ao solo de sua pátria, a sua língua” (Nietzsche, 1975).
Talvez a realização da Primeira Ruptura
possa ser através de uma contraposição das diversas interpretações para a
evolução do pensamento geográfico onde inicialmente poderiam ser analisados os
seguintes autores: Moraes 1987, Capel 1981, Gomes 1996, Mendoza et al. 1988,
Oliveira 2003.
Pode ser que através dessaanálise seja
aprofundada uma concepção mais elaborada do que foi, do que é, e do que poderá
ser a Geografia enquanto ciência social. Tal projeto poderá facilitar a
superação dos obstáculos relativos a explicações de cunho metassociais para
problemas da Geografia Social. Dessa forma haverá um aperfeiçoamento da
Geografia enquanto ciência social e, posteriormente, isso deverá
se
refletir nas representações sociais referentes a ela.
Outra indicação possível é a promoção de
um trabalho de desensinagem para que os atuais e futuros professores de
geografia possam ver o ensino da Geografia como nunca viram.(6) Num segundo momento pode ser que isso
seja aplicado aos alunos de forma geral. Pode ser que seja criado um novo imaginário
popular, quanto à Geografia e seu ensino, que seja mais próximo das suas
características essenciais.
c)
Para realização da Segunda Ruptura com o senso comum.
Ao se pensar alternativas para que se
possa atingir essa segunda ruptura coloca-se como uma possibilidade fazer com
que ela seja encarada como objetivo de ensino formal. Nesse sentido é possível relacionar
tal objetivo com a transposição didática. Samagaia e outros se referem à
transposição didática entendendo-a como “um instrumento, através do qual
analisamos o movimento do saber sábio (aquele que os cientistas descobrem) para
o saber a ensinar (aquele que está nos livros didáticos) e através deste, ao
saber ensinado (aquele que realmente acontece em sala de aula).” E, ao mesmo tempo,
informam que “Este termo foi introduzido em 1975 pelo sociólogo Michel Verret e
rediscutido por Yves Chevallard em 1985 em seu livro La Transposition
Didatique onde mostra as transposições
que
um saber sofre quando passa do campo científico para a escola e alerta para a
importância da compreensão deste processo por aqueles que lidam com o ensino
das disciplinas científicas. Chevallard conceitua ‘Transposição Didática’ como “o
trabalho de fabricar um objeto de ensino, ou seja, fazer um objeto de saber
produzido pelo “sábio” (o cientista) ser objeto do saber escolar.” (Samagaia,
2003). Esta última concepção confirma essa possibilidade de maneira bem clara,
o que falta para que haja essa contribuição com a segunda ruptura através da
educação formal é a conscientização dos profissionais de ensino, através dos
cursos de formação de professores e, principalmente, que essa conscientização se
transforme em práticas pedagógicas que possam atingir tal objetivo.
Conclusões.
É
preciso aperfeiçoar o ensino “elementar” por uma questão de justiça social e
econômica. O fato de não ser um consenso a necessidade de uma reformulação do
senso comum pela ciência não torna irrelevante a superação de determinadas
idéias comuns anteriormente analisadas, já que elas são um obstáculo à melhoria
das condições de ensino da Geografia.
A
superação do tradicionalismo no ensino da Geografia relaciona-se, portanto, a
esse diálogo senso comum – conhecimento científico para que se possa propor uma
Educação Geográfica como instrumento sócio-cognitivo-afetivo de
explicação-compreensão do mundo, através das categorias de explicação do espaço
geográfico, como lugar, paisagem, cotidiano, território, fronteira, rede, territorialidade,
visando a sua transformação sócio-ambiental voltada para uma melhoria da
qualidade de vida. Dessa forma pode-se contribuir para um ensino da Geografia
melhor orientado, mais significativo e, também, mais democrático,
principalmente no que diz respeito ao processo de avaliação enquanto um momento
de reflexão sobre a evolução do processo de ensinagem, para seu
aperfeiçoamento constante, o que normalmente, reduz a evasão e,
conseqüentemente a exclusão social.
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Notas:
1. Resultados parciais de
pesquisa: “A Geografia nas Primeiras Etapas da Educação Básica”.
2. “Os mestres Zen eram
educadores estranhos. Não pretendiam ensinar coisa alguma. O que desejavam era desensinar”
ALVES, Rubem. A escola que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir. 3ª
ed. Campinas, SP: Papirus, 2002. p. 27
3. Alto São Francisco e seu
entorno.
4. Melgaço e Augustin, 1999.
5. O Mec considera a memorização
uma competência a ser avaliada no SAEB – Sistema de Avaliação da Educação
Básica. Em reportagem de capa intitulada “Lembre-se: sem memória não há
aprendizagem” da Nova Escola de Junho/Julho de 2003, de Paola Gentile é
realizada uma defesa da memorização no ensino.
6. “Os mestres Zen eram
educadores estranhos. Não pretendiam ensinar coisa alguma. O que desejavam era desensinar”
(Alves, 2002: 27).
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