sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Afinal, a Geografia para ser aprendida pelas crianças precisa ser ensinada ou elas aprendem de forma espontânea e, portanto ninguém precisa ensinar?


ANAIS DO 7o ENCONTRO NACIONAL DE PRÁTICA DE ENSINO DE GEOGRAFIA
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Vitória/ES – UFES – 14 a 18 de setembro de 2003

A GEOGRAFIA NAS PRIMEIRAS ETAPAS DA EDUCAÇÃO BÁSICA: SUPERANDO AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS1 .
Jairo Melgaço
Mestre em Geografia – IGC-UFMG
E-mail: jotaeme.jairo@hotmail.com
Resumo: O trabalho de formar professores e de orientar o Estágio Pedagógico evidenciou dificuldades de aprendizagem de temas geográficos que remontavam ao tempo de escolaridade na Educação Básica dos graduandos. Tal constatação motivou a proposição de um Projeto de Pesquisa para tentar identificar os principais motivos da existência dessas ineficiências e tentar estabelecer estratégias para que elas pudessem ser superadas. As análises realizadas até o momento permitem concluir que suas principais causas estão relacionadas com a falta de ruptura com o senso comum na produção de conhecimento geográfico e no planejamento (quando existe) do ensino da geografia. Torna-se evidente a necessidade da superação dessas representações sociais que, ao mesmo tempo, promovem explicações metassociais para problemas sócio-geográficos, e instauram o espontaneísmo como premissa de ensinagem. Entre as estratégias propostas de superação dos problemas identificados podem ser incluídas: a) realização da Primeira Ruptura com o senso comum através de uma abordagem da evolução do pensamento geográfico, que consiga identificar as etapas e os paradigmas que foram acontecendo ao longo do tempo e caracterizando a Geografia para superação das explicações/compreensões metassociais; b) caracterização geral da Geografia como disciplina escolar nesse início de século capaz de estabelecer novos cenários para o seu ensino; c) A Segunda Ruptura com o senso comum pode ser realizada através de um processo que encare a transposição didática como objetivo do ensino formal, ou através da promoção de um trabalho de desensinagem para que os Geógrafos-professores possam ver o ensino da Geografia como nunca viram.2
Palavras-chave: pesquisa – ensino da geografia – representações sociais – transposição didática – desensinagem.

Gostar de agir com bom senso, intuição e humanidade é bom, mas ensinar atualmente exige,
mais que tudo, habilidades específicas, saberes e competências que não derivam do senso comum,
mas de uma formação didática e pedagógica árdua.” (Perrenoud, 2003)

1- Contextualização.
O trabalho com a formação de professores para o Ensino Fundamental e Médio evidenciou uma realidade regional3 caracterizada por uma situação preocupante quanto à qualidade do ensino da Geografia. São inúmeros os exemplos de procedimentos mal orientados e inadequações (conteúdos como objetivos de ensino; falta de articulação adequada entre objetivo, conteúdo, metodologia, recursos e avaliação nas propostas mais tradicionais de planejamento de ensino; ensino mnemônico; omissões quanto à alfabetização cartográfica; avaliação seletiva, final e excludente; ensino da cartografia descontextualizado do geográfico; planejamento inadequado quanto à distribuição do tempo para as diversas disciplinas nas quatro Primeiras Séries do Ensino Fundamental; entre outras).
Parece existir um ciclo vicioso que vai acumulando situações insatisfatórias, que geralmente culminam numa depreciação geral da Geografia, do seu ensino, dos profissionais a ela ligados e, ao mesmo tempo, numa apatia quanto à escolha dessa área de conhecimento como opção para um futuro profissional.
A problemática que se estabelece a partir desses pressupostos básicos e gerais aponta para a necessidade de Projetos de Pesquisa que possam contribuir para a identificação dos diversos tipos e níveis de inadequação do ensino da Geografia e, ao mesmo tempo, das potencialidades existentes para que se possa propor soluções contextualizadas, que utilizem essas potencialidades na superação dos problemas identificados. Situações de evasão, exclusão social e, conseqüentemente, problemas socioambientais de todo tipo, como miséria, pobreza, violência, poluição, falta de iniciativa na solução dos próprios problemas e da sua comunidade, inadequações na utilização dos recursos naturais, entre outros tantos que aqui poderiam ser enumerados, são em grande parte decorrentes de uma educação que não realiza adequadamente a sua função social.
O Projeto que vem sendo desenvolvido objetiva resgatar a importância da Geografia e do seu ensino. As atividades propostas no Projeto relacionam-se com a educação geográfica nas Primeiras etapas da Educação Básica. Essas atividades se subdividem em quatro momentos básicos: 1) diagnóstico das condições do ensino de geografia identificando problemas e potencialidades, a partir de levantamentos de dados e informações; 2) estabelecimento de estratégias para solução dos problemas; 3) intervenção na realidade via projetos de atuação de estágio curricular e/ou de prática de ensino; 4) acompanhamento das mudanças de atitudes dos professores atuantes e seus alunos na medida em que os projetos de atuação forem sendo aplicados; 5- elaboração, execução, avaliação e aperfeiçoamento de projetos de extensão.
A área de estudos é definida pelo espaço abrangido pelas escolas dos municípios de origem dos alunos do curso de Pedagogia da Faculdade de Educação de Bom Despacho. Portanto, a cada nova turma ela se altera.
2- Resultados Parciais.
A aplicação de um inventário das condições de ensino da Geografia nas Primeiras Etapas da Educação Básica evidenciou diversas situações explicativas para os problemas identificados, além de inúmeras potencialidades passíveis de serem canalizadas para a solução daqueles. Esses são alguns exemplos:
1- Apesar da maioria dos professores (57,6) terem como formação o Magistério de nível médio quase todos pretendem continuar estudando e 21,5 % dos entrevistados estão matriculados em cursos de graduação, principalmente Pedagogia.
2- A maioria dos professores entrevistados considerou válido o Programa de Capacitação de Professores de Geografia Fase Escola Sagarana – Procap e muitos justificaram da seguinte maneira as mudanças nas suas práticas pedagógicas, após esse programa:
“aprendi novas maneiras de trabalhar a Geografia (22,9%); passei a trabalhar mais com o concreto utilizando a realidade do aluno no seu espaço; a Geografia é muito mais importante trabalhada fora da sala de aula; porque notamos que a Geografia é tão importante quanto as outras matérias; descobri que existem maneiras diferentes de se trabalhar a Geografia; aprendi as possibilidades de alfabetizar através desse conteúdo.”
3- Para a pergunta: Quando você faz seu planejamento anual de ensino costuma estabelecer primeiro os objetivos ou os assuntos? 59% optaram pelos objetivos.
4- Mais da metade das Escolas (55,5%) tem uma carga horária semanal para cada uma das disciplinas escolares, sendo que em muitas delas atuam mais de um professor por turma. Foram identificadas muitas outras potencialidades, entretanto, parece que predominam os problemas.
Entre as questões propostas para os professores três estão mais diretamente relacionadas com o que está sendo discutido nesse artigo: 1- Quais as dificuldades mais comuns apresentadas pelos seus alunos no aprendizado da Geografia? “Problemas com lateralidade, localização, direção, limites, linguagem cartográfica; aquisição de vocabulário específico; questões cardeais (localização); relacionar desenhos de mapas a um espaço; investigar paisagens e estudo do meio; dificuldade de analisar espaços distantes porque a maioria não saiu do seu local de vivência; localização de países no globo terrestre; compreensão de textos apresentados (interpretação); aprender coordenadas geográficas; produção de textos com temas geográficos; aprender a noção de espaço; aprender teorias, só a prática que ajuda mais a compreensão; fazer esboço do espaço vivido através de desenhos topográficos; decorar matérias”.2- Que competências e habilidades para leitura e interpretação do mundo você consegue identificar em seus alunos? “Desenhos das paisagens locais e mapas; falar de outros países com segurança, principalmente sobre futebol; fazer relatórios de excursão; ler e interpretar pequenos textos para resolver questões do dia-a-dia e falar adequadamente; atenção para o que acontece ao redor deles e para com experiências novas; olhar crítico; observar as transformações geradas no espaço, seu meio de vivência; transpor o longe para o perto (Rio Tietê – Rio local); facilidade de expressar os acontecimentos cotidianos oralmente e através de trabalhos artísticos; facilidade de perceber o tipo de relevo da cidade, das ruas; localizar as capitais dos países; orientação no espaço; leitura visual da paisagem; trabalhar o espaço utilizando material concreto como se estivesse brincando; interesse por ouvir relatos sobre a Terra, o Sol e a Água”. 3- que competências e habilidades para leitura e interpretação do mundo seus alunos ainda não adquiriram? “Leitura e confecção de mapas devido sua representação codificada; compreender o meio como fruto das relações de interesses diferentes (homem – natureza); importância da geografia para o dia-a-dia; só conseguem ler o mundo que os rodeia; legenda; quando precisam ler coisas que não passam na TV ou rádio; leitura da paisagem, descrever itinerários utilizando mapas; muitas que ajudariam a ver o mundo com outros olhos: limites, auto-crítica, amizade, respeito e auto-estima; a compreensão de que a natureza pode ser tanto biofísica quanto transformada e criada pelo homem; não aceitar o outro (colega) como parte do mundo e respeitar os seus direitos; como utilizar a leitura visual da paisagem no seu dia-a-dia; memorização.” Uma análise mesmo que superficial desses exemplos de respostas permite algumas conclusões:
1- existe praticamente uma resposta diferente por entrevistado – o que isso sugere? Parece não existir consensos sobre que preocupações se referem diretamente à Geografia e seu ensino. Essa questão foi abordada anteriormente4 numa tentativa de ordenação geral das diversas opiniões a esse respeito “buscando uma visão das relações entre o novo e o velho, para verificar orientações que vêm resistindo ao tempo, e que portanto possam vir a fazer parte da fundamentação de uma teoria do ensino da Geografia” (Melgaço e Augustin, 1999:197). É preciso considerar, no entanto, que responderam professores com formações diferenciadas, de diversos municípios, de turmas que vão desde o ensino infantil até as Primeiras Séries do Ensino Fundamental. As respostas parecem traduzir preocupações e situações vividas em sala de aula no momento em que foram respondidos os questionários, o que evidencia mais uma vez, com raras exceções, uma falta de norte geral e até certo ponto mais permanente para o ensino da geografia; 2- Ao mesmo tempo que as respostas são muito divergentes entre si ocorre uma repetição quanto ao que se considera dificuldade, competência e habilidade que os alunos já têm ou que ainda precisam ter. 3- Algumas respostas não se referem ao perguntado e algumas são muito preocupantes, como a que considera a memorização como uma habilidade fundamental para leitura e interpretação do mundo. Não que a memorização não seja necessária em determinadas situações5, mas colocá-la como objetivo de ensino da geografia é muito preocupante, já que existe há algum tempo uma luta para superar o ensino mnemônico na Geografia, que se traduz quase sempre em questionários com perguntas e respostas que devem ser decoradas para uma prova ou intermináveis listas de capitais, de afluentes, entre outros. 4- O ensino de temas cartográficos continua sendo um dos maiores problemas para os professores de Geografia, principalmente nessas etapas de ensino abordadas. 5- Deficiências com a língua pátria dificultam o ensino da Geografia. Em alguns casos a solução encontrada é não ensinar Geografia e concentrar o trabalho no Português e na Matemática. Essa situação talvez seja a
que mais contribui para explicar os problemas com a iniciação a uma formação geográfica. O professor tem alguma razão quando considera o Português e a Matemática como pressupostos para o ensino da Geografia, no entanto isso não justifica a opção por deixar de ensinar Geografia. É preciso utilizar a criatividade. Por exemplo, é possível trabalhar interpretação utilizando textos geográficos; pode-se ensinar matemática através do ensino de temas cartográficos e, assim, sucessivamente.
Algumas supervisoras argumentam que:
“(...) às vezes a gente não sabe que está trabalhando Geografia, mas só delas (as crianças) estarem lá ocupando espaço, falamos muito como são as casas delas, como é no recreio, andamos com as crianças. Na nossa escola tem muitas árvores, muitos lugares para elas observarem. Assim, a gente começa trabalhar Geografia desde os quatro anos e sem saber que estamos trabalhando Geografia, muitos professores falam que não estão trabalhando Geografia, mas trabalham sem saber, sem usar o nome específico. Ou “Tem gente que nunca foi à escola e aprende, aprende com o mundo, com a vida e as pessoas, não tem que ser necessariamente com a Geografia, apesar de estar relacionado, e tanto é que a gente encontra adultos, pessoas formadas que tem hora que você pergunta para ele o que é direita
ele bate o braço para poder saber qual é a direita, qual é esquerda” Ou “Quando a gente também trabalha com a criança pequena, que a gente acompanha até mesmo os filhos da gente, como que ele aprende a falar, a se conduzir dentro de casa sem que a gente esteja questionando todos os dias, e ver todos os dias que está sempre à procura de algo que tem uma afirmativa (...) não é cobrado como conteúdo específico, mas é trabalhada com o aluno. Por exemplo: onde é o banheiro? A secretaria da escola? Assim ele tem noção de espaço, fiz essa colocação de acordo com isso, um aprendizado espontâneo, o aprendizado vem surgindo desde que ele se coloca como ser humano, e que é a gente de um todo desde o começo... Ou: “A partir do momento que a gente trabalha a alfabetização ou está trabalhando na pré-escola e pede para ele desenhar o percurso da casa dele até a escola, você está trabalhando o quê? A Geografia. Só que não foi dito para os alunos que se está trabalhando Geografia (...) você trabalha as noções como já foi muito bem explicado só que não é colocado como Geografia específica.” (Depoimentos de Supervisoras)
Tais argumentos têm relação, por um lado com a educação diretiva/não diretiva abordada por Paulo Freire (1995) e, por outro, com a necessidade de ruptura com o senso comum nas ciências sociais.
Há uma certa diferença entre as idéias de um saber espontâneo na argumentação de Paulo Freire e a denominação dada à postura de aceitação do aprendizado sem ensino planejado. Nesse último caso, espontaneísmo é o mesmo que educação não-diretiva, se é que isso é possível quando se trata de conhecimentos específicos a uma dada área e voltada para uma determinada faixa etária dos aprendizes. Não resta a menor dúvida quanto à possibilidade do aprendizado sem ensino, o autodidatismo ou a autoinstrução, mas se isso fosse levado ao extremo justificaria o fechamento de todas as escolas. De qualquer maneira fica claro na fala de Paulo Freire o seu desacreditar na possibilidade do espontaneísmo em educação, mesmo que ele estivesse pensando mais na relação professor – aluno, onde no dirigir e no ser dirigido não existe uma situação de imposição unilateral e inquestionável. Apesar da relação direta entre as duas situações, nessa abordagem o espontaneísmo se refere à possibilidade de aprendizado sem ensino, de determinadas noções e conceitos específicos a uma iniciação à formação geográfica.
Entre as situações explicativas dos problemas podem ser citadas: a) o processo de ensino ser planejado e executado por um professor generalista, que tem como tarefa trabalhar todos os conteúdos das diversas disciplinas escolares, e que, na maioria das vezes, tem dificuldades específicas que redundam em falta de confiança na capacidade de ensiná-los; b) inexistência de horários prefixados para cada uma dessas disciplinas ocorrendo casos em que algumas sempre ficam para um depois que nunca chega; c) o professor não vê necessidade em ensinar determinados assuntos pressupondo uma aprendizagem espontânea; d) falta de clareza quanto à função da Geografia Escolar, ou seja, do papel que ela deve desempenhar no processo educativo; e) o modismo do trabalho com Projetos de Flexibilização das fronteiras disciplinares sem que ocorra a disciplinaridade como um dos seus pressupostos.

3- Sugestões de estratégias de superação dos problemas identificados

a) Caracterização geral da Geografia como disciplina escolar nesse início de século.

No que diz respeito ao ensino da Geografia é preciso levar em conta as possibilidades existentes para seu norteamento no processo educativo, ou seja, é preciso verificar que objetivos ela deve estar perseguindo hoje, na chamada sociedade do conhecimento. Atualmente, a Geografia é vista como uma ciência social e, para seu ensino, estabelece-se como um objetivo geral e básico a preparação das pessoas para que elas possam compreender e atuar nesse mundo marcado pelo dinamismo nas transformaçõessociais, cada vez mais rápidas e surpreendentes. Na verdade, o trabalho de qualquer professor com qualquer disciplina escolar tem que ter, como um dos seus objetivos básicos, o sonho de uma sociedade mais justa, como argumenta Freire (1995).
Para uma adequada inserção no mercado de trabalho caracterizado pelo aumento progressivo do desemprego estrutural é cada vez mais importante uma preparação diferente das pessoas no que diz respeito às competências e habilidades que lhes serão úteis. Entretanto é fundamental não se esquecer que a educação não pode restringir seus objetivos a uma preparação técnica. É preciso valorizar a cultura, o humanismo e a colocação das condições para que, toda vez que haja consenso entre quem propõe e a quem é proposto, se possa promover uma formação mais satisfatória do ponto de vista da individuação e socialização.
Todas essas situações novas têm se traduzido em otimismos e pessimismos quanto ao futuro da geografia enquanto ciência e disciplina escolar. O contexto da Terceira Revolução Industrial, segundo Vesentini (1999), promove uma valorização sem precedentes do ensino da geografia, já que a globalização, diferentemente da internacionalização da economia que era feita pelo alto através das multinacionais ou de acordos interestatais onde a maioria da população não participava a não ser como consumidores passivos, envolve multidões no mundo inteiro, classes médias, organizações não-governamentais, decisões individuais, fax via países, redes de computadores, turismo que envolve cerca de 500 milhões de pessoas no mundo todo, fluxos eletrônicos de capitais e migrações, tudo isso valorizou uma necessidade de aprender geografia, de compreender o mundo em que vivemos, nas escalas local, nacional e mundial.
Castrogiovanni (2001) acredita que o processo de homogeneização da globalização coloca em questão a própria necessidade da geografia: “Com a globalização há uma tendência de tornar-se tudo representações estilizadas, realidades pasteurizadas e virtuais. O específico precisa ser homogeneizado, integralizado nos padrões universais. Tudo se globaliza, como se as coisas, as pessoas e as idéias se transfigurassem pela magia da multimídia. (...) o homogêneo não existe. É a singularidade dos lugares que os fazem nascer e existir. (...) Quando não lidamos com as particularidades dos diferentes lugares, dos distintos mundos, materializa-se o mundo dos interesses. (...) A riqueza do espaço-temporal, tratadona geografia, desaparece na globalização.”
Pontuschka ressalta uma preocupação com a orientação dada pela corrente político-econômica neoliberalista para as reformas educacionais e sugere algumas maneiras pelas quais os “geógrafos educadores juntamente com os demais profissionais podem promover ações pedagógicas que se traduzam em um movimento de resistência a essas reformas (...)” (Pontuschka, 2000).
A autora insiste a idéia de que “Não é possível pensar o ensino e aprendizagem da Geografia sem pensar que ela é parte integrante da escola (...)” sugerindo a necessidade de um trabalho coletivo. Entre as possibilidades de realização desse trabalho em equipe quase sempre se enfatiza os projetos interdisciplinares. No entanto, quando se trata especificamente das Primeiras Etapas da Educação Básica ocorre uma situação que precisa ser analisada de forma mais detalhada. Trata-se da interdisciplinaridade sem a prévia disciplinaridade. Existe uma orientação geral para realização de projetos inter ou transdisciplinares num momento da escolaridade em que as crianças e, às vezes, os próprios professores, não conseguem identificar e delimitar os conhecimentos que caracterizam as áreas envolvidas. Como flexibilizar as fronteiras de uma área do conhecimento se elas não foram adequadamente fixadas?

b) Para realização da Primeira Ruptura com o senso comum.

Um dos entraves básicos do processo de aperfeiçoamento do ensino da Geografia são as concepções do senso comum em relação a ela. A sua reformulação científica, ou seja, sua passagem da doxa (conhecimento pessoal, opinião, crenças ou representações do senso comum) para nous (conhecimento verdadeiro, segundo Platão, conhecimento do observador especializado ou conhecimento científico) precisa estar articulada com o processo de volta, ou seja, uma transformação do senso comum incorporando resultados do nous (Adaptado de Sacristán, 1999: 123). De acordo com Augusto Santos Silva (1987) a epistemologia de Bachelard apoiou as teorizações de Durkheim sobre a legitimidade da análise dos fatos sociais, evidenciando que “as disciplinas sociais são especialmente permeáveis às interpretações de senso comum” (Silva, 1987: 30). Uma relação mais evidente com esse aprendizado espontâneo em questão pode ser verificada no seguinte argumento: “A ilusão da transparência, da familiaridade com o social – que autorizam a produção, a baixo preço, de sociologias ou economias ‘espontâneas’ – e os sistemas de atitudes e ações ligados às condições sociais objectivas – que obrigam à produção a qualquer preço de sociologias ou economias ‘espontâneas’ – representam os mais poderosos obstáculos à análise científica” (p. 30).
Alguns autores realizaram abordagens da relação entre senso comum e a Geografia e seu ensino. Considerando a descrição dos fenômenos, principalmente físicos e paisagísticos como o papel atribuído à Geografia na escola, pelo senso comum, o que provoca uma sensação de inutilidade nos professores, decorrentes dessa visão comum de que ela seja uma disciplina inútil e decorativa, Diamantino Pereira (1996) acredita que a missão da geografia no 1º grau caracterizado de forma ampla pelo processo de alfabetização é “alfabetizar o aluno na leitura do espaço geográfico, em suas diversas escalas e configurações” (p. 55).
Ana Maria Simões Coelho em artigo intitulado “Ensino de Geografia: a necessidade de superar o senso comum” considera que tradicionalmente não existia uma preocupação em explicitar o “conteúdo” da Geografia e a conclusão era de que ela “supostamente se interessa por ‘tudo’ a partir apenas do ponto de vista da localização no mundo” (Coelho, 1999: 44). Situação que foi questionada, denunciada, problematizada e criticada ainda segundo a autora, com o advento da Geografia Crítica, mas apesar de todo esse processo, os problemas permaneceram. Mais especificamente relacionado com a questão do senso comum considera que as pessoas que acreditam que a Geografia seja uma coletânea de dados físicos e humanos de uma região, e o seu ensino a sua transmissão para os alunos estão praticando a Geografia a partir de uma visão fundamentada no senso comum. Diz que essa visão está muito arraigada e que não se trata de desvalorizar o senso comum que se relaciona com o conhecimento prévio do aluno é preciso dar um outro tratamento aos conteúdos no ensino formal. Explica que a permanência além do desejado do conhecimento adquirido no dia-a-dia redunda numa falta de senso crítico e “faz com que as pessoas pensem e ajam como se já soubessem tudo o que é necessário saber a respeito dos diversos assuntos”(p. 47-48, Grifo meu). A abordagem da autora preocupa-se diretamente com a formação dos professores de Geografia e valoriza a fundamentação teórica como garantia de autonomia para esses professores.
Ao mesmo tempo não existe um consenso sobre as vantagens da reformulação do senso comum pela ciência. Nietzsche quando examina o sistema educacional de sua época defende a idéia de que: “Pela instrução elementar obrigatória para todos, não se chega ao que se chama de cultura popular a não ser de uma forma grosseira e artificial” esta estaria ligada à terra natal e aos costumes locais “onde o povo conserva seus instintos religiosos, onde continua a trabalhar no sistema poético de suas imagens míticas, em que permanece fiel aos seus costumes, ao seu direito, ao solo de sua pátria, a sua língua” (Nietzsche, 1975).
Talvez a realização da Primeira Ruptura possa ser através de uma contraposição das diversas interpretações para a evolução do pensamento geográfico onde inicialmente poderiam ser analisados os seguintes autores: Moraes 1987, Capel 1981, Gomes 1996, Mendoza et al. 1988, Oliveira 2003.
Pode ser que através dessaanálise seja aprofundada uma concepção mais elaborada do que foi, do que é, e do que poderá ser a Geografia enquanto ciência social. Tal projeto poderá facilitar a superação dos obstáculos relativos a explicações de cunho metassociais para problemas da Geografia Social. Dessa forma haverá um aperfeiçoamento da Geografia enquanto ciência social e, posteriormente, isso deverá
se refletir nas representações sociais referentes a ela.
Outra indicação possível é a promoção de um trabalho de desensinagem para que os atuais e futuros professores de geografia possam ver o ensino da Geografia como nunca viram.(6)  Num segundo momento pode ser que isso seja aplicado aos alunos de forma geral. Pode ser que seja criado um novo imaginário popular, quanto à Geografia e seu ensino, que seja mais próximo das suas características essenciais.

c) Para realização da Segunda Ruptura com o senso comum.

Ao se pensar alternativas para que se possa atingir essa segunda ruptura coloca-se como uma possibilidade fazer com que ela seja encarada como objetivo de ensino formal. Nesse sentido é possível relacionar tal objetivo com a transposição didática. Samagaia e outros se referem à transposição didática entendendo-a como “um instrumento, através do qual analisamos o movimento do saber sábio (aquele que os cientistas descobrem) para o saber a ensinar (aquele que está nos livros didáticos) e através deste, ao saber ensinado (aquele que realmente acontece em sala de aula).” E, ao mesmo tempo, informam que “Este termo foi introduzido em 1975 pelo sociólogo Michel Verret e rediscutido por Yves Chevallard em 1985 em seu livro La Transposition Didatique onde mostra as transposições
que um saber sofre quando passa do campo científico para a escola e alerta para a importância da compreensão deste processo por aqueles que lidam com o ensino das disciplinas científicas. Chevallard conceitua ‘Transposição Didática’ como “o trabalho de fabricar um objeto de ensino, ou seja, fazer um objeto de saber produzido pelo “sábio” (o cientista) ser objeto do saber escolar.” (Samagaia, 2003). Esta última concepção confirma essa possibilidade de maneira bem clara, o que falta para que haja essa contribuição com a segunda ruptura através da educação formal é a conscientização dos profissionais de ensino, através dos cursos de formação de professores e, principalmente, que essa conscientização se transforme em práticas pedagógicas que possam atingir tal objetivo.

Conclusões.

É preciso aperfeiçoar o ensino “elementar” por uma questão de justiça social e econômica. O fato de não ser um consenso a necessidade de uma reformulação do senso comum pela ciência não torna irrelevante a superação de determinadas idéias comuns anteriormente analisadas, já que elas são um obstáculo à melhoria das condições de ensino da Geografia.
A superação do tradicionalismo no ensino da Geografia relaciona-se, portanto, a esse diálogo senso comum – conhecimento científico para que se possa propor uma Educação Geográfica como instrumento sócio-cognitivo-afetivo de explicação-compreensão do mundo, através das categorias de explicação do espaço geográfico, como lugar, paisagem, cotidiano, território, fronteira, rede, territorialidade, visando a sua transformação sócio-ambiental voltada para uma melhoria da qualidade de vida. Dessa forma pode-se contribuir para um ensino da Geografia melhor orientado, mais significativo e, também, mais democrático, principalmente no que diz respeito ao processo de avaliação enquanto um momento de reflexão sobre a evolução do processo de ensinagem, para seu aperfeiçoamento constante, o que normalmente, reduz a evasão e, conseqüentemente a exclusão social.

Bibliografia:
ALVES, Rubem. A escola que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir. 3ª ed. Campinas, SP: Papirus, 2002.
CAPEL, H. Filosofía Y Ciencia En La Geografia Contemporánea. Barcelona: Barcanova, 1981.
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GOMES, Paulo Cesar da Costa. Geografia E Modernidade. Rio de Janeiro: Bertand Brasil, 1996.
CASTROGIOVANNI, Antônio Carlos. E agora, como fica o ensino da Geografia com a Globalização? In: CASTROGIOVANNI, Antônio Carlos et al. (Orgs.). Geografia em sala de aula:práticas e reflexões.3ª ed. Porto Alegre: Ed. da UFRGS/AGB, 2001.
COELHO, Ana Maria Simões. Ensino de Geografia: a necessidade de superar o senso comum. In: Presença Pedagógica v.5 n.25 jan./fev. 1999.
PEREIRA, Diamantino. Geografia Escolar: uma questão de identidade. In: Caderno Cedes nº 39 dez. 1996. p. 47-56. Campinas SP: Unicamp.
FREIRE, Paulo. Crítico, radical e otimista. Entrevista a Neidson Rodrigues. Presença Pedagógica, nº 1, jan./fev. 1995.
MELGAÇO, Jairo & AUGUSTIN, Cristina H. R.R. Contribuição a uma Teoria do Ensino da Geografia. In: Anais Do 5º. Encontro Nacional De Prática De Ensino De Geografia. 197-202. Belo Horizonte, 1999.
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NIETZSCHE, Friedrich. Sur l’avenir de nos établissements d’enseignement. In: Écrits posthumes, 1870 – 1873. Paris, Gallimard, 1975.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. “Por uma geografia nova na construção do Brasil”. Conferência de abertura do XIII Encontro Nacional de Geógrafos. Disponível em: www.antenanet.com.br/ eng/download/ ariovaldoconfxiieng.pdf . Acessado em 03-06-03.
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PERRENOUD, Philippe. O ensino não é mais o mesmo; trad. Isabel Rodrigues Presença Pedagógica. V.9 n. 50. mar. / abr. 2003. p. 31-33
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Notas:
1. Resultados parciais de pesquisa: “A Geografia nas Primeiras Etapas da Educação Básica”.
2. “Os mestres Zen eram educadores estranhos. Não pretendiam ensinar coisa alguma. O que desejavam era desensinar” ALVES, Rubem. A escola que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir. 3ª ed. Campinas, SP: Papirus, 2002. p. 27
3. Alto São Francisco e seu entorno.
4. Melgaço e Augustin, 1999.
5. O Mec considera a memorização uma competência a ser avaliada no SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica. Em reportagem de capa intitulada “Lembre-se: sem memória não há aprendizagem” da Nova Escola de Junho/Julho de 2003, de Paola Gentile é realizada uma defesa da memorização no ensino.
6. “Os mestres Zen eram educadores estranhos. Não pretendiam ensinar coisa alguma. O que desejavam era desensinar” (Alves, 2002: 27).

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