A gente é um pouco, quase sempre, outros mais, outros
menos, aquilo que o mundo nos pede para ser, até certo ponto. É engraçado
quando a gente percebe que em um momento de sua vida aquilo que um dia foi seu
pior pesadelo transforma-se no seu principal trunfo e orgulho, além das
honrarias. Vide a nossa atual presidente ex-ativista de esquerda.
Alguma relação entre aparência e opção política? Não
estou me lembrando de nenhum político de certa expressão de tendência direitista
e com barba nos últimos tempos. Naturalmente que reis barbudos existiram
inúmeros. Somente no Brasil tivemos dois Pedros barbudos. Incrível é a imagem
deles que ficou para a posteridade: o Pai com cara de filho e o filho com cara
de Pai.
Tenho que confessar que não fiz nenhum levantamento de
dados para confirmar cientificamente tal fato. Não resta dúvida que meu senso
comum me guia nesse momento. No entanto, sinto que muitos outros teriam a mesma
conclusão: existe uma determinação da opção política para com a aparência do
político. Naturalmente não podemos estender tal questão a todo o espaço-tempo
histórico.
Esta lorota toda é para que eu possa comentar porque
em certo momento da minha vida optei por deixar a barba por fazer. E como a foto
confirma tratava-se de uma senhora barba.
O antípoda da pergunta recebe um sonoro sim por parte
da maioria dos que eram uspianos nos
tempos da ditadura militar, principalmente os estudantes de ciências humanas. Professor
de Geografia que não ostentasse uma boa barba na cara já levantava suspeitas de
reaça. Mas era dada uma chance para
ele explicar a opção assumida.
Como a existência costuma vir antes da essência, como
queria Sartre, um professor de geografia em tempos de ditadura militar o mínimo
que ele podia era carregar uma barba na cara para expressar de forma bem clara
sua indignação. Quando era possível iam bem, além disso. Interessante o
episódio de circulação corrente pelos uspianos
e cruspianos dos oitenta quanto à ocupação
militar (invasão militar na opinião dos cruspianos
ou será que a palavra não é bem essa? Com certeza para muitos não seria em
hipótese alguma) se não me engano no final dos anos sessenta, do Conjunto
Residencial da USP - Crusp. É possível neste caso exemplificar o jogo político
das palavras. Para cada opção de ação um rótulo mais adequado em função dos
interesses das partes no jogo pelo poder. O jogo político - um palavreado
contra o outro. Retomada ou invasão, outro dilema nos mesmos moldes.
Na retomada do CRUSP os estudantes e os professores de
letras são aqueles que dão início ao processo, na medida em que uma situação de
necessidades de novos espaços para o curso de Letras, a necessidade de subsistência
misturada com laboratórios políticos para quadros das mais diversas tendências,
e infelizmente, da contribuição nem sempre bem vinda daqueles que não têm a
menor noção do que esteja acontecendo, gerando na maioria das vezes prejuízos para,
ora um lado, ora o outro.
Participar de uma assembleia política numa
universidade não deixa de ser uma experiência interessante para que se possa
perceber o jogo da fala com as palavras muito bem escolhidas que expressam uma
visão dos fatos, e que permite levá-los para onde se quer, de acordo com os
interesses do grupo político. Possibilita, portanto, adentrar-se pelos meandros
da política e, infelizmente da politicagem. Caso fizéssemos uma distinção entre
duas ideias com rótulos bem parecidos, mas que expressassem cada qual o
conceito que lhe corresponde de forma clara poderíamos considerar política como
o que se pode democraticamente e com consenso social considerar como a atitude
que se espera de um grupo de cidadãos, habitantes da polis. Já politicagem poderia
ser toda forma de política que não se enquadra no conceito dado. Aquele que tem
a posse do discurso, da fala... Que logicamente expressa uma ideia que ora
defende isso e aquilo. Os detentores do discurso estabelecem as regras para os
órfãos da palavra. Esta para eles não tem o mesmo resultado que para os outros,
uma vez que sem seu uso a palavra se transforma em silêncio. Este não produz
reações, a não ser o som. Mas não que o silêncio exija que o som se manifeste. Não
se trata disso. O som existe independente do silêncio e vice-versa e, o mais
legal é que os dois se casam na música. É um casamento para ninguém por defeito
e de causar muita inveja nos ex-quase apaixonados separados. O político detém a
posse do som linguistico, da palavra, do discurso, do logos e o povo a posse do
silêncio. Por aqui, quase sempre e na maioria dos casos o único momento em que
o povo tem acesso à palavra é na hora do voto. A grande questão é como
conseguir que o povo perceba que lhe fizeram um passe, que a bola está dominada
e que só falta estufar a rede. Na maioria das vezes estufa o bolso, para não
dizer a cueca, dos detentores da posse da palavra. Conclusão: onde eu assino
para ser candidato a um cargo público? Tudo isso e muito mais se aprende em uma
assembleia universitária, principalmente naquelas em que se está discutindo o
acesso aos bens vitais diários, como onde dormir, onde comer, onde trabalhar, e
por aí vai...
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