terça-feira, 26 de junho de 2012

A época da barba


A gente é um pouco, quase sempre, outros mais, outros menos, aquilo que o mundo nos pede para ser, até certo ponto. É engraçado quando a gente percebe que em um momento de sua vida aquilo que um dia foi seu pior pesadelo transforma-se no seu principal trunfo e orgulho, além das honrarias. Vide a nossa atual presidente ex-ativista de esquerda.
Alguma relação entre aparência e opção política? Não estou me lembrando de nenhum político de certa expressão de tendência direitista e com barba nos últimos tempos. Naturalmente que reis barbudos existiram inúmeros. Somente no Brasil tivemos dois Pedros barbudos. Incrível é a imagem deles que ficou para a posteridade: o Pai com cara de filho e o filho com cara de Pai.
Tenho que confessar que não fiz nenhum levantamento de dados para confirmar cientificamente tal fato. Não resta dúvida que meu senso comum me guia nesse momento. No entanto, sinto que muitos outros teriam a mesma conclusão: existe uma determinação da opção política para com a aparência do político. Naturalmente não podemos estender tal questão a todo o espaço-tempo histórico.
Esta lorota toda é para que eu possa comentar porque em certo momento da minha vida optei por deixar a barba por fazer. E como a foto confirma tratava-se de uma senhora barba.
O antípoda da pergunta recebe um sonoro sim por parte da maioria dos que eram uspianos nos tempos da ditadura militar, principalmente os estudantes de ciências humanas. Professor de Geografia que não ostentasse uma boa barba na cara já levantava suspeitas de reaça. Mas era dada uma chance para ele explicar a opção assumida.
Como a existência costuma vir antes da essência, como queria Sartre, um professor de geografia em tempos de ditadura militar o mínimo que ele podia era carregar uma barba na cara para expressar de forma bem clara sua indignação. Quando era possível iam bem, além disso. Interessante o episódio de circulação corrente pelos uspianos e cruspianos dos oitenta quanto à ocupação militar (invasão militar na opinião dos cruspianos ou será que a palavra não é bem essa? Com certeza para muitos não seria em hipótese alguma) se não me engano no final dos anos sessenta, do Conjunto Residencial da USP - Crusp. É possível neste caso exemplificar o jogo político das palavras. Para cada opção de ação um rótulo mais adequado em função dos interesses das partes no jogo pelo poder. O jogo político - um palavreado contra o outro. Retomada ou invasão, outro dilema nos mesmos moldes.
Na retomada do CRUSP os estudantes e os professores de letras são aqueles que dão início ao processo, na medida em que uma situação de necessidades de novos espaços para o curso de Letras, a necessidade de subsistência misturada com laboratórios políticos para quadros das mais diversas tendências, e infelizmente, da contribuição nem sempre bem vinda daqueles que não têm a menor noção do que esteja acontecendo, gerando na maioria das vezes prejuízos para, ora um lado, ora o outro.
Participar de uma assembleia política numa universidade não deixa de ser uma experiência interessante para que se possa perceber o jogo da fala com as palavras muito bem escolhidas que expressam uma visão dos fatos, e que permite levá-los para onde se quer, de acordo com os interesses do grupo político. Possibilita, portanto, adentrar-se pelos meandros da política e, infelizmente da politicagem. Caso fizéssemos uma distinção entre duas ideias com rótulos bem parecidos, mas que expressassem cada qual o conceito que lhe corresponde de forma clara poderíamos considerar política como o que se pode democraticamente e com consenso social considerar como a atitude que se espera de um grupo de cidadãos, habitantes da polis. Já politicagem poderia ser toda forma de política que não se enquadra no conceito dado. Aquele que tem a posse do discurso, da fala... Que logicamente expressa uma ideia que ora defende isso e aquilo. Os detentores do discurso estabelecem as regras para os órfãos da palavra. Esta para eles não tem o mesmo resultado que para os outros, uma vez que sem seu uso a palavra se transforma em silêncio. Este não produz reações, a não ser o som. Mas não que o silêncio exija que o som se manifeste. Não se trata disso. O som existe independente do silêncio e vice-versa e, o mais legal é que os dois se casam na música. É um casamento para ninguém por defeito e de causar muita inveja nos ex-quase apaixonados separados. O político detém a posse do som linguistico, da palavra, do discurso, do logos e o povo a posse do silêncio. Por aqui, quase sempre e na maioria dos casos o único momento em que o povo tem acesso à palavra é na hora do voto. A grande questão é como conseguir que o povo perceba que lhe fizeram um passe, que a bola está dominada e que só falta estufar a rede. Na maioria das vezes estufa o bolso, para não dizer a cueca, dos detentores da posse da palavra. Conclusão: onde eu assino para ser candidato a um cargo público? Tudo isso e muito mais se aprende em uma assembleia universitária, principalmente naquelas em que se está discutindo o acesso aos bens vitais diários, como onde dormir, onde comer, onde trabalhar, e por aí vai... 

Nenhum comentário:

Postar um comentário