terça-feira, 17 de julho de 2012

"Causos" verídicos do Sertão de Minas Gerais


Há algum tempo tenho vontade de contar os causos que vivi nos Treis Capão. São causos verídicos e, o que os torna interessantes é que os Treis Capão que conheci nos transportava para um ou dois séculos para trás no tempo.  Era um lugar extemporâneo no sentido do passado. Um pequeno povoado com uma única rua com seu entorno formado por pequenas propriedades de produção de café, principalmente o Catuaí.  Alqueire de oitenta litros, troca de dias de trabalho, vida solitária em verdadeiros cafundós, uma fé religiosa inabalável e coisas do tipo: para rezar é preciso colocar as mãos postas e na maioria das vezes ajoelhar; nas visitas os homens são proibidos de ir até a cozinha, onde a dona da casa recebe as mulheres visitantes, e por ai vai... Na única rua do povoado existiam dois botecos, um quase em frente do outro. Para não fazer desaforo o costume era beber nos dois no mesmo dia. Os donos cobravam mesmo. Bebeu lá tem que beber aqui também se não fico bravo. Quando ia aos três capões me sentia um pouco como nos filmes de faroeste americano. Ia a cavalo, chapéu, bota, jeans, em vez de uísque a pinga ou cerveja, o balcão de madeira sem bancos, o jogo não era o poker, mas o truco ou a sinuca, o violão no lugar do piano e assim vai... Faltava o revolver na cintura (na maioria dos casos) e as belas garotas sempre presentes nos Saloons do velho oeste.  As situações cômicas não faltavam e, é claro de desentendimentos também. Certa vez uma senhora foi conosco para lá. Ela era muito engraçada e espirituosa. Ficou curiosa quanto ao nome do povoado e queria de qualquer jeito entender. Perguntava aqui e ali e não conseguia se contentar e sossegar com a curiosidade. Estávamos em um dos botecos e de repente ela se virou para o dono com um nariz quase no outro e perguntou na bucha: “o senhor também é capão ? Ele deu uma pressa de responder com muita segurança e ênfase: “não, eu? Não, não, não de jeito nenhum! Outro dia chegamos lá e a sinuca estava em funcionamento.  Papo vai e vem, chamaram minha atenção para um dos jogadores na sinuca. Ele tinha um tipo de tique nervoso bem interessante. Seu cabelo quase louro muito fino tinha de um lado da cabeça uma longa franja que ia abaixo do queixo. Sem nada para prendê-la é claro que não poderia ficar em cima da cabeça. No entanto, ele insistia nisso. A franja caia e ele a levantava, de novo e de novo o tempo todo. Mas não era só isso. Acho que ele se espelhava na personagem de Lima Duarte, Sinhozinho Malta da novela Roque Santeiro. Tinha um típico patacão no braço direito com uma pulseira branca de metal bem folgada, e cada vez que ia levantar a franja tinha que balançar o punho para ajustar o relógio. Uma tacada na sinuca e de novo a mesma cena: franja no rosto, punho balançando e o enfiar dos dedos por entre os cabelos para levantá-los ao topo da cabeça. Ensaiei uma risada e fui contido imediatamente pelo dono do boteco que num particular comigo disse: “não ri não sô, ele briga e costuma andar armado. Quem nessa vida não se viu naquela situação onde a proibição de rir faz o riso disparar? O cara olhou para ver o que era e eu não tive dúvida: “essa é muito boa, conta outra que depois vou contar uma.” Consegui me safar da possível ingrisia  e o “Franginha” voltou à sua lida. Ah se ele fica sabendo dessa alcunha que todo mundo usava, bem longe dos seus ouvidos é claro, e só ele não sabia. Tem gente ruim de mais neste mundo, não é mesmo? Deixa o Franginha Patacão em paz, caramba! Mas como não achar uma figura destas engraçada? Principalmente quando é proibido rir. Aí é que a vontade der rir aperta mesmo.

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