Há algum tempo tenho vontade de
contar os causos que vivi nos Treis Capão.
São causos verídicos e, o que os torna interessantes é que os Treis Capão que conheci nos transportava
para um ou dois séculos para trás no tempo.
Era um lugar extemporâneo no sentido do passado. Um pequeno povoado com
uma única rua com seu entorno formado por pequenas propriedades de produção de
café, principalmente o Catuaí. Alqueire
de oitenta litros, troca de dias de trabalho, vida solitária em verdadeiros
cafundós, uma fé religiosa inabalável e coisas do tipo: para rezar é preciso
colocar as mãos postas e na maioria das vezes ajoelhar; nas visitas os homens
são proibidos de ir até a cozinha, onde a dona da casa recebe as mulheres
visitantes, e por ai vai... Na única rua do povoado existiam dois botecos, um
quase em frente do outro. Para não fazer desaforo o costume era beber nos dois
no mesmo dia. Os donos cobravam mesmo. Bebeu lá tem que beber aqui também se
não fico bravo. Quando ia aos três capões me sentia um pouco como nos filmes de
faroeste americano. Ia a cavalo, chapéu, bota, jeans, em vez de uísque a pinga
ou cerveja, o balcão de madeira sem bancos, o jogo não era o poker, mas o truco
ou a sinuca, o violão no lugar do piano e assim vai... Faltava o revolver na
cintura (na maioria dos casos) e as belas garotas sempre presentes nos Saloons do velho oeste. As situações cômicas não faltavam e, é claro
de desentendimentos também. Certa vez uma senhora foi conosco para lá. Ela era
muito engraçada e espirituosa. Ficou curiosa quanto ao nome do povoado e queria
de qualquer jeito entender. Perguntava aqui e ali e não conseguia se contentar
e sossegar com a curiosidade. Estávamos em um dos botecos e de repente ela se
virou para o dono com um nariz quase no outro e perguntou na bucha: “o senhor
também é capão ? Ele deu uma pressa de responder com muita segurança e ênfase:
“não, eu? Não, não, não de jeito nenhum! Outro dia chegamos lá e a sinuca
estava em funcionamento. Papo vai e vem,
chamaram minha atenção para um dos jogadores na sinuca. Ele tinha um tipo de tique
nervoso bem interessante. Seu cabelo quase louro muito fino tinha de um lado da
cabeça uma longa franja que ia abaixo do queixo. Sem nada para prendê-la é
claro que não poderia ficar em cima da cabeça. No entanto, ele insistia nisso.
A franja caia e ele a levantava, de novo e de novo o tempo todo. Mas não era só
isso. Acho que ele se espelhava na personagem de Lima Duarte, Sinhozinho Malta
da novela Roque Santeiro. Tinha um típico patacão
no braço direito com uma pulseira branca de metal bem folgada, e cada vez que
ia levantar a franja tinha que balançar o punho para ajustar o relógio. Uma
tacada na sinuca e de novo a mesma cena: franja no rosto, punho balançando e o
enfiar dos dedos por entre os cabelos para levantá-los ao topo da cabeça. Ensaiei
uma risada e fui contido imediatamente pelo dono do boteco que num particular
comigo disse: “não ri não sô, ele briga e costuma andar armado. Quem nessa vida
não se viu naquela situação onde a proibição de rir faz o riso disparar? O cara
olhou para ver o que era e eu não tive dúvida: “essa é muito boa, conta outra que
depois vou contar uma.” Consegui me safar da possível ingrisia e o “Franginha”
voltou à sua lida. Ah se ele fica sabendo dessa alcunha que todo mundo usava,
bem longe dos seus ouvidos é claro, e só ele não sabia. Tem gente ruim de mais
neste mundo, não é mesmo? Deixa o Franginha Patacão em paz, caramba! Mas como
não achar uma figura destas engraçada? Principalmente quando é proibido rir. Aí
é que a vontade der rir aperta mesmo.
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