segunda-feira, 16 de julho de 2012

Prosopopeia V


O que importa afinal é a vida, por que da morte nada podemos esperar, a não ser que ela chegue. Nada a ver com o pós-morte. Esta é outra questão. A vida limita-se ao tempo pré-morte. É deste tempo que se trata. Conheci uma pessoa que resolveu esperar a morte e não fazer mais quase nada a não ser aquilo que não tem jeito de não fazer, como comer, dormir etc. Terno impecavelmente passado e bem guardado no guarda-roupa esperando o dia do velório e o enterro, sapato engraxado, meia, o caixão pago e, por aí vai. Morreu antes da hora e se esqueceu de deitar. Vale a pena esta opção: morrer antes da hora? Mesmo quando a vida e, talvez principalmente nesses casos, já parece não ter mais graça (Niilismo?), mais um sentido claro e satisfatório será que a opção por morrer antes da hora se justifica? Deixando de lado os casos do contexto da eutanásia e coisas do gênero, temos que avaliar junto com Albert Camus sobre a importância de a vida ter um sentido: Para ele “a vida será mais bem vivida se não tiver sentido”. Absurdo? Loucura? Ateísmo? Ou lógica com uma boa pitada de bom senso? Inseridos num universo que não apresenta nenhum sentido abre-se uma contradição entre ele e as nossas vidas, portanto o melhor é negar a contradição e superá-la (dialética?) é o que argumenta Camus. Silogismo/Trilogismo: Premissas: a) o universo não tem sentido => b) nossa consciência nos faz sentir que nossas vidas tem sentido =>  c) as duas coisas ao mesmo tempo não dá; Resultado ou conclusão: como não dá para fazer com que o universo passe a ter um sentido a solução é viver uma vida sem sentido para se viver melhor.  Será que as coisas são assim mesmo e pronto, simples assim? Qual a prova de que o universo não tem sentido. O fato de o homem ainda não ter comprovado cientificamente um sentido para o universo não significa necessariamente que ele não exista. Quem disse que o universo precisa ter sentido para que nossas vidas também o possam ter? Para que possamos viver bem precisamos que o universo seja o nosso mundo exterior, simples assim. Que me importa a direção de afastamento das galáxias neste momento,  ou que daqui a cerca de cinco bilhões de anos o Sol vai engolir a Terra e seus vizinhos planetas? Qual a possibilidade de que o homem encontre outro planeta em condições de perpetuação da espécie homo sapiens por mais uns dez bilhões de anos pós-morte da Terra? É esse o sentido do universo: dar garantias para a continuidade de nossas vidas. E o sentido de nossas vidas é de que sejam vividas intensamente até o último suspiro. Mesmo que isto aconteça aos vinte e sete anos como Jimi Hendrix, Jane Joplin, Amy WineHouse, a tão querida musa do soul. Sabiam que são cerca de 40 artistas famosos que morreram aos 27 anos. Trata-se de uma maldição? Não importa a idade limite, importa o tipo de caminhada que se caminha até chegar lá. Então é possível identificar sentidos para as vidas. Será que a pombinha branca que ajudou a velar Dom Eugênio Sales não seria uma prova de que uma vida com sentido faz muito mais sentido? Alguém duvida que tenha faltado sentido para esta vida? Quem viveria de novo da mesma forma a vida de alguém que passou desta para melhor, considerando isso possível de realizar-se. Por exemplo, alguém viveria de novo a vida que viveu Antoine Fraivaux? Walter Benjamin? Renato Russo?  De cazuza? Chega de sugestões: cada um escolha o que lhe aprouver. Importa o questionamento. Casos em que ninguém aceitasse viver de novo aquela vida que se foi seria indício de que se trata de uma vida que foi vivida sem sentido? Viver circunscrito ao condado em que nasceu, aprender e exercer a profissão do pai cada vez mais cada dia menos rentável (produção de perucas para uso nos teatros  principalmente) ao ponto de não se ter dinheiro para comprar os livros que precisa para realizar o sonho de entender uma pouco mais, realizar aquela árdua tarefa a qual me referi anteriormente de tentar ir fundo na compreensão das coisas, da tarefa incansável de conhecer, escolher a solidão como companheira para toda vida e não querer ter filhos para não vê-los tornarem-se diferentes da gente a cada dia que passa e serem pessoas únicas e com toda sua forma de dar sentido, mesmo que ingenuamente um sentido para sua própria vida, mas afinal sentindo-se filósofo e escrevendo seu livro “A lógica do verossímil” que não torna-se parte da cultura acadêmica da época. Há algum sentido nesta vida? O estar vivo na medida em que se inclui no dia a dia das pessoas como teórico, filósofo mesmo tendo já morrido é um sentido a ser buscado para uma vida de um ser humano? Com certeza, inúmeras outras vidas foram vividas com sentidos muito menos nobres do que este. Tudo isso é destituído de sentido. A uma das máximas de Karl Marx eu acrescentaria uma observação para tornar essa bravata mais amena: mais que transformar o mundo o filósofo deve ajudar as pessoas a viverem melhor. Por que nem sempre transformar significa melhorar o mundo, pode sair o contrário. Tenho um respeito enorme por Marx. Em um momento de minha vida senti vontade de viver a vida que ele viveu. Nas bibliotecas pesquisando, redigindo suas ideias, interagindo com o mundo e a sociedade na qual vivia de forma apaixonada e intensa e com um propósito humano muito digno de ver a maioria vivendo em condições mais dignas. Chegando ao ponto de colocar a própria vida em risco pelo ideal comum. Aqui se abre uma encruzilhada na procura de um caminho que tenha mais sentido para cada um de nós: uma vida pública com fama e envolvimento artístico, político, ou seja, lá o que for ou ostracismo e vida a mais privada possível? Na maioria das vezes e em graus diferenciados somos um pouco uma coisa e a seguir a outra coisa e assim sucessivamente até que se entra numa estabilidade próxima da melhor idade, e no embate com o seu futuro cada vez mais perto de ser extinto da face da Terra. Precisamos trazer de novo a filosofia para o para o solo do dia a dia. Sartre fez isso muito bem. Não é a toa que muitos estão criticando esse elitismo intelectual que se distancia da vida das pessoas para se arvorar em uma linguagem rebuscada que trata de temas nem sempre compatíveis com os possíveis sentidos passíveis de serem desejados por quem ainda respira liberdade, que detêm o poder de moldar o próprio futuro e exercer seu livre arbítrio. Mas não só a filosofia. Em todo o conhecimento humano disponível nas suas mais diversas áreas. E isso não é tão difícil de conseguir não. Basta buscar nas obras filosófica, artística, científicas, teológicas, e em tantas outras que contribuição acrescenta para a melhoria de nossas vidas?  Esse deveria ser o objetivo principal para que se produza, divulgue e socialize resultados de esforços que fizeram avançar a qualidade do conhecimento humano. Eu não disse que esta história vai longe: mais de dois mil e quinhentos anos de Oriente e Ocidente, no mínimo. Aqui um sentido para a uma vida que vale a pena ser vivida?

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